STJ: Atos infracionais pretéritos não afastam a privilegiadora de tráfico de drogas.

Postado por: Francisco Ilídio Ferreira Rocha

POR: Alan Francis Moreira Rodrigues

O Agravo Regimental no Habeas Corpus Nº 761.799 – SP (2022/0243954-9) é um caso jurídico que se tornou objeto de discussão no Superior Tribunal de Justiça. Este julgamento teve como objetivo principal analisar a aplicação de uma causa especial de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas: “Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa”.

O impetrante justificou que os atos infracionais utilizados pelas instâncias ordinárias para afastar a minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas datam de 2014, enquanto o fato criminoso, ora julgado, data de 2020, ou seja, com mais de 5 anos de tempo decorrido entre um e outro. O réu defende, ainda, que fatos antigos (superiores a cinco anos) não se prestam para embasar conclusões desfavoráveis para fins de majorar a pena. Ainda no mérito discutido, o autor insiste que o TJ/SP está sujeito à Jurisdição do STJ, nos termos do art. 105, I, c, da Constituição
Federal.


Na análise do HC pelo Superior Tribunal, o relator, Ministro Sebastião Reis Júnior, em seu voto, conhece do agravo regimental mas, no mérito, vota pelo não provimento. Em relação a competência do TJ/SP citada pelo agravante, o ministro alega que todo órgão judicial é competente para analisar sua própria competência e que cabe ao Tribunal que proferiu a decisão de mérito reapreciar, processar e julgar as revisões criminais. Além disso, as causas decididas pelos tribunais devem ser questionadas por meio de “recurso especial”, tornando o habeas corpus um instrumento
inadequado para a revisão buscada.


Já em relação ao histórico infracional do autor, o Relator menciona que, além das três anotações consideradas extintas – a última em setembro de 2014 – verificou-se também que o acusado obteve o benefício da suspensão condicional do processo perante um ato criminoso no ano de 2018, o que indica que ele não cumpriu integralmente o período de prova referente a essa suspensão do processo. Esse período de prova, também conhecido como período depurador, é o lapso temporal dentro do qual o condenado beneficiado pelo sursis deverá cumprir as obrigações
impostas, bem como demonstrar bom comportamento. Ora, se durante o período depurador de um fato criminoso o acusado comete novo crime, isso coaduna com a convicção de que o acusado dedica-se, de forma contumaz, às atividades criminosas. Diante desses fatos o relator votou pelo não provimento do Agravo Regimental.


Após pedido de vista, para melhor análise do caso, o Ministro Rogerio Schietti Cruz divergiu do relator. Em seu voto defendeu ser possível a apresentação de habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justiça. Lembrou que,  requentemente, é impetrado habeas corpus perante o STJ, e muitas vezes em caráter substitutivo de todas as modalidades recursais. Nesse diapasão, assenta que é, sim, possível a impetração desse remédio naquela Corte Superior, quando a questão é exclusivamente de direito e não requer exame aprofundado de provas. Outrossim, para o ministro, o complexo sistema recursal no processo penal brasileiro permite à parte prejudicada por alguma decisão judicial submeter ao órgão colegiado, na forma e prazo previstos em lei, habeas corpus voltado à proteção da liberdade humana assumindo, contudo, as vantagens e os ônus de tal opção.


Outro ponto impeditivo à análise do HC seria a existência de apelação ao Tribunal de origem, visto que a apelação é a via processual mais adequada para a impugnação de sentença condenatória recorrível. Ocorre que, nas instâncias ordinárias, é possível a reapreciação de fatos e provas com todas as suas nuanças, o que não ocorre na Corte  Superior. Como não há registro de revisão criminal ajuizada em favor do recorrente no TJ/SP, não há esse impeditivo para análise do referido Writ (habeas corpus).

Além disso, o Tribunal discorreu sobre a quantidade de droga encontrada com o acusado e concluiu que a quantidade encontrada não era excessivamente elevada – 143 gramas de cocaína e 50,8 gramas de maconha, o que não permitia presumir que o réu se dedica com certa frequência e anterioridade a atividades criminosas, como o tráfico de drogas. Isso foi importante para a decisão final sobre a aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista na Lei de Drogas.

Durante o voto, o Ministro relembrou ainda que o entendimento consolidado da Corte exige que a fundamentação para afastar a minorante mencionada deve ser feita de forma consistente e aponte a existência de circunstâncias excepcionais para que, dessa forma, se verifique a gravidade dos atos pretéritos, devidamente documentados nos autos, bem como a razoável proximidade temporal de tais atos com o crime em apuração, hipótese não observada no caso em tela. Dessarte, o Ministro entendeu que não havia elementos suficientes para usar o histórico infracional do réu como fundamento para negar a aplicação da causa especial de diminuição de pena. Ele explica que não poderia invocar o histórico infracional do réu para negar a aplicação da causa especial de diminuição de pena porque não era possível inferir se os atos infracionais praticados pelo réu foram graves. Soma-se, a isso, a grande distância temporal entre os registros infracionais e a data em que o crime em análise foi cometido.


O fato do réu ter obtido o benefício da suspensão condicional do processo em um caso anterior e ter voltado a delinquir em nenhum momento foi mencionado pelas instâncias ordinárias para fundamentação da impossibilidade de aplicação do redutor; portanto, o Superior Tribunal de Justiça, em habeas corpus, não poderia invocá-lo em desfavor do réu.


Dessa maneira o Tribunal decidiu, por 3 votos a 2, que não havia fundamento suficiente para justificar o afastamento da causa especial de diminuição de pena prevista na Lei de Drogas e decidiu, portanto, que o agravo regimental deveria ser provido. Por consequência, o Tribunal determinou a aplicação do redutor previsto no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas em favor do réu no seu patamar máximo de 2/3, fixou o regime inicial aberto e determinou a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito.