CCJ: Aprovado projeto de lei para que os Estados da União passem a ter competência para legislar sobre o uso de armas de fogo
Por: André Luciano Vicente da Silva
Resumo do caso
A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) aprovou, no dia 24/04/2024, parecer positivo quanto ao Projeto de Lei Complementar nº 108/2023, de autoria de Caroline de Toni, deputada federal pelo PL de SC e presidente da CCJ, que tem como tema a permissão para que os estados federativos da união passem a ter a possibilidade de legislar, dentro de seus territórios, acerca de regras específicas sobre a posse e porte de arma de fogo. A votação foi extremamente apertada, tendo 34 votos a favor da lei e 30 contrários.
Da posse e porte de armas
Desde 1988, com o advento da Constituição Federal, as armas de fogo, consideradas para todos os fins como sendo instrumentos com finalidade bélica, são regidas apenas por lei federal, conforme dispõe o Art. 22, XXI. Acontece que até o ano de 2003, não haviam normas específicas para este assunto, fazendo com que o porte de arma fosse extremamente comum para qualquer pessoa acima dos 21 anos de idade. Não obstante, a venda também era feita de forma fácil, ocorrendo em diversas lojas de artigos esportivos, até mesmo com benefícios como registro grátis e parcelamento destas.
Ocorre que em 22 de dezembro de 2003, foi sancionada, pelo então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Lei 10.826/2003, denominada estatuto do desarmamento. Entre as regras trazidas pela norma, estavam novas regras para a posse e porte de armas de fogo, bem como penas rigorosas para aqueles que descumprissem o estatuto. Os principais objetivos da norma estavam tanto na redução do número de armas circulando pelo país quanto estabelecer penas mais acentuadas para o descumprimento dessas regras.
Para reforçar a implementação da norma, o Ministério da Justiça realizou campanhas para que a população procurasse os órgãos responsáveis, seja para regularizarem suas armas ou para, em troca de uma recompensa monetária, que se desfizessem destas. Ao todo foram regularizadas ou entregues mais de um milhão de armas de fogo durante tais campanhas.
No ano de 2005 foi realizado um referendo, consulta pública visando se inteirar quanto à opinião da população, em período posterior a imposição da norma, para saber se o povo brasileiro era a favor ou contra o estatuto. A pergunta feita foi “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”. A resposta trazida pelo referendo foi contrária ao estatuto, já que numa votação que contou com quase cem milhões de votantes, pouco menos de 2/3 (63.94%) destes, votaram “Não” à pergunta feita. Entretanto, mesmo com a contrariedade ampla da população, o estatuto permanece vigente até a presente data.
Sendo um assunto divisor de opiniões, ainda mais com a crescente polarização vivida pelo país na última década, chegamos ao ano de 2019, com um Presidente, recém-empossado, que nunca escondeu sua opinião contrária ao estatuto e liberal quanto ao uso de armas de fogo pela população. Durante seus 4 anos de mandato, Jair Bolsonaro promulgou diversos decretos que “afrouxavam” as regras trazidas pelo estatuto de 2003, o que fez com que a posse e porte aumentassem exponencialmente durante estes anos, chegando a casa de cerca de 1300 registros de vendas de armas de fogo por dia, segundo relatório do Instituto Sou da Paz.
Em continuação à polarização política, no ano de 2023, reassumiu a cadeira da presidência Luiz Inácio, que foi um dos idealizadores do estatuto de 20 anos antes, e, com opiniões espectralmente contrárias à de seu antecessor, revogou tais decretos trazidos pelo governo precursor.
Das opiniões sobre o tema
Tal qual o debate sobre o tema foi intenso nos últimos anos, também foi dessa forma a discussão na CCJ. A votação apertada é um reflexo das quase quatro horas de conversas acaloradas que levaram ao veredito.
Do lado derrotado na votação, estão os argumentos de que a posse e porte de armas de fogo, de maneira menos regulada e não nacionalmente uniforme, faria com que aumentasse ainda mais o número de tragédias, chacinas, assassinatos, bem como os grupos criminosos teriam acesso mais facilmente, para conseguir a ampliação de seus arsenais, que já fazem frente à de diversas forças de segurança nacional.
Do lado vencedor, no entanto, a nova lei passaria a permitir que a unidade federativa levasse em consideração as suas particularidades para definir regras mais amplas ou restritas, a depender de suas vontades. Ainda, no cerne da questão, está a ampliação do direito à autodefesa que cada cidadão tem, para se valer da defesa de seus direitos, num momento em que a violência cresce cada vez mais em diversos cantos do nosso país.
Tal debate ainda está longe de chegar a uma conclusão, mesmo que momentânea. Tendo o projeto sido aprovado, segue agora para votação da Câmara, que deve ser tão acalorada quanto foi neste primeiro debate. Sendo este um assunto amplamente não pacificado, e num momento em que a divisão político-idealista é cada vez maior, é certo que independente do resultado final do Projeto de Lei, a discussão ainda estará longe de acabar.
