JUSTIÇA FEDERAL: É assegurado a paciente com quadro de depressão o cultivo de cannabis para fins medicinais

Postado por: Francisco Ilídio Ferreira Rocha

POR: Josiene Dias Barbosa

Trata-se de Habeas Corpus impetrado na Justiça Federal do Rio de Janeiro em favor de uma paciente de 53 anos com quadro de insônia, depressão, ansiedade e gastrite, a qual já havia obtido, junto à ANVISA, autorização de importação n. 036687.0805143/2021 relativa ao produto CBD Tincture,  o qual, todavia, é um remédio de custo elevadíssimo, de modo que, conforme alegado, inviabiliza o seu direito à saúde.

Segundo estudos realizados pela Autoridade Sanitária dos Estados Unidos, a Food and Drug Adminstration (FDA), a cannabis sativa apresenta resultados significativos no tratamento de epilepsia, autismo, Alzheimer, Parkinson, dores crônicas e câncer, entre outras doenças, com resultados surpreendentes e avanços significativos e, quanto mais se estuda, mais benefícios da cannabissativa,  popularmente conhecida como “maconha” são descobertos. No Brasil, a ANVISA não classifica o CBD Tincture como medicamento, mas autoriza sua importação com receita médica.

No entanto, a Lei Antidrogas nº 11343/2006 proíbe em todo o território nacional o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, com exceção para aquelas de uso exclusivamente ritualístico religioso e no caso de fins medicinais e científicos. A solução, portanto, seria permitir a paciente plantar cannabis para fins medicinais em casa e, por isso, ela recorreu à Justiça pleiteando:  (i) expedição de salvo conduto para que os órgãos persecutórios, em especial as Polícias Militar, Civil e Federal, abstenham-se de atentar contra a liberdade de locomoção da paciente, bem como de apreender as plantas utilizadas por ela para tratamento medicinal, garantindo seu regular exercício do direito à saúde diante da prescrição e dos laudos médicos acostados ao presente mandado de segurança; (ii) autorização para importação de até 20 sementes de cannabis por ano, considerando-se eventuais perdas inerentes ao plantio, bem como autorização para cultivo de dez pés de cannabis por ano, tudo em seu endereço residencial.

DA FUNDAMENTAÇÃO LEGAL

O pedido veio instruído com os documentos probatórios: laudos médicos, cópia da autorização excepcional emitida pela ANVISA para a importação de produto e derivados da cannabis-sativa, bem como documento de identificação da paciente e comprovante de endereço.

Como causa de pedir alegou-se que a paciente possui 53 anos e é acometida por forte quadro de insônia devida a fatores emocionais,  transtornos fóbicos-ansiosos (CID10-F40), transtorno depressivo recorrente (F33) e gastrite (K33), cujos sintomas eram tratados com medicação convencional como Dormonid,  Zolpidem e Neozine e esclareceu que devido aos efeitos colaterais (tremores, enjoo, cefaleia, perda de libido, piora da ansiedade e do padrão do sono, além de agitação psicomotora, piora do comportamento social, dependência, tolerância  medicamentosa e piora no déficit cognitivo) associados ao uso desses medicamentos, a paciente iniciou, em 2014, tratamento com o uso de extrato de canabidiol  (CBD) e tetra-hidrocanabinol (THC),  produzidos artesanalmente e argumentou que inexiste, por parte da ANVISA, regulamentação para o plantio de cannabis para fins medicinais e que a agência reguladora já havia autorizado à paciente a importação do óleo CBD Tincture, buscando, deste modo, salvo-conduto mediante Habeas Corpus preventivo.

O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do pedido, tendo em vista a inadequação da via eleita, a falta de interesse de agir, a impossibilidade jurídica do pedido, a violação ao contraditório e a ausência de competência do Juízo Criminal para análise da matéria.

Sendo assim, na Decisão, o MM. Juiz Federal frisou que o Habeas Corpus tem conceito legal e função circunscrita à proteção da liberdade, de modo a evitar a violência ou o constrangimento imposto diretamente sobre o indivíduo. Sua tutela faz-se necessária sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir (art. 647, CPP) e afastou as preliminares de inadequação da via eleita, falta de interesse de agir, impossibilidade jurídica do pedido, violação ao contraditório e ausência de competência do Juízo Criminal para análise da matéria, aventadas pelo Parquet Federal, e todas relacionadas à alegada imprescindibilidade de autorização administrativa da ANVISA.

Por conseguinte, salientou que “o ponto controverso é a aparente contradição entre a norma penal incriminadora, arts. 33 a 39 da Lei n. 11.343/2006, e a omissão do estado brasileiro em regulamentar o plantio, a cultura e a colheita de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, especificamente a maconha e o canabidiol, possibilidade prevista no art. 2º, parágrafo único, da mesma lei e que as normas incriminadoras tutelam a saúde pública da coletividade, que, no meu entender, não resta violada nos casos em que a medicina prescreve as mesmas plantas psicotrópicas para fins de tratamento”.

Por fim, o MM. Juiz Federal baseou-se e transcreveu em sua Decisão, trechos de jurisprudências proferidas em RHC 147169-SP e RESE 5076913-65.2020.4.02.5101 e julgou procedente o pedido de HC impetrado, não lhe parecendo razoável exigir que a paciente convivesse com os problemas de saúde relatados e o seu possível agravamento, o que feriria o direito constitucional à saúde e constituiria grave atentado ao princípio da dignidade humana, nos termos do art. 5º da CF/88,  já que a única finalidade pleiteada é de realização do direito à saúde, e não o uso recreativo, a destinação a terceiros, o lucro ou o risco à saúde pública.

DA SENTENÇA

No dia 12/09/2022, a Primeira Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro concedeu a Ordem de Habeas Corpus para determinar a imediata expedição de salvo-conduto em favor da paciente, assegurando que autoridades públicas brasileiras encarregadas da repressão aos crimes relacionados à Lei de Drogas fiquem impedidas de proceder à prisão em flagrante da paciente pela aquisição de sementes, cultivo, uso, porte e produção artesanal da cannabis para fins exclusivamente terapêuticos, bem como se abstenham de apreender os vegetais, insumos e utensílios utilizados para produzir e consumir os remédios necessários,  autorizando o porte, transporte/remessa de plantas e flores para teste de quantificação e análise de canabinóides, por meio de guia de remessa lacrada confeccionada pela própria paciente aos órgãos e entidades de pesquisa, ainda que em outra unidade da federação, para que seja possível a feitura da parametrização laboratorial.

PROCESSO RELACIONADO: O processo corre em segredo de justiça