Projeto de Lei n. 490/07 do marco temporal das terras indígenas e o julgamento do caso pelo STF no Recurso Extraordinário (RE) 1017365
POR: Maiara Ribeiro de Oliveira e Jean Affonso Araujo Martins
Marco temporal é uma tese jurídica que defende o posicionamento de que os povos indígenas só têm direito de reivindicar as terras já ocupadas ou em processo de disputa na época que houve a promulgação da Constituição Federal, no dia 5 de outubro de 1988.
O Projeto de Lei n. 490/07, que trata do marco temporal para a demarcação de terras indígenas, foi aprovado na Câmara dos Deputados no dia 30 de maio de 2023 e, com essa aprovação na Câmara, a proposta segue para votação no Senado Federal. O projeto tem em seu bojo a previsão de que a delimitação da demarcação de terras indígenas deve respeitar a ocupação que seja anterior ao ano de 1988. De acordo com o texto-base aprovado, é necessário confirmar que as terras ocupadas tradicionalmente eram, ao mesmo tempo, habitadas em resolução permanente, utilizadas para atividades produtivas e necessárias para a preservação dos recursos ambientais na data da promulgação da Constituição.
A tramitação do projeto será debatida, a partir de agora, entre os senadores. Dentro dessa análise, há argumentos tanto contrários quanto favoráveis à tese do marco temporal. Os defensores do projeto expõem que o marco temporal revoluciona o processo de demarcação e pode conferir maior segurança jurídica para os conflitos por terra, garantindo um critério de previsibilidade e temporalidade para o momento em que for decidida a demarcação.
Por outro lado, os que são contrários ao projeto apontam que, da forma como foi aprovada na Câmara, a lei pode afetar processos de demarcação que já estão em andamento, além de colocar em risco outras áreas demarcadas depois de 1988; ademais, pontuam que o direito histórico dos povos originários é anterior à própria Constituição, que não só foi recepcionada por ela (art. 231, CF/88) como é fonte basilar de princípio constitucional cuja preocupação deveria se dar nos países que foram objeto de colonização como é o caso brasileiro.
Há uma terceira linha de entendimento em relação ao Projeto de Lei n. 490/07 que advoga no sentido de suspender a sua tramitação legislativa até que o Supremo Tribunal Federal analise a legalidade da proposição do marco temporal. Isso porque qualquer que seja a lei ordinária sobre o marco temporal ela necessariamente teria que ser avaliada em controle de constitucionalidade repressivo pelo Poder Judiciário, discussão que, inclusive, já está em trâmite no controle difuso de constitucionalidade.
Nesse sentido figura o Recurso Extraordinário (RE) 1017365 em julgamento no STF, no qual será definido com repercussão geral a tese acerca do marco temporal. A Suprema Corte já adiou por oito vezes esse julgamento, a última vez ocorrida em junho de 2023. A expectativa para esta votação é alta, pois, de acordo com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), cerca de 200 (duzentos) processos estão parados aguardando a decisão desse recurso para continuar sua tramitação.
A votação teve início em agosto de 2021, com o voto do Ministro e relator Edson Fachin, que se posicionou no sentido contrário à tese do marco temporal justificando que à luz da CF/88 o sopesamento de direitos fundamentais, nesse caso, deve pender para a existência e vida digna aos povos indígenas, rejeitando o marco temporal. O segundo voto foi do Ministro Nunes Marques, que votou, discordando do relator, favoravelmente à tese do marco temporal.
O terceiro a votar foi o Ministro Alexandre de Moraes que acompanhou o relator, contudo, com um voto alternativo: defendeu que, uma vez reconhecida a ocupação tradicional sobre terras que tenham um domínio legítimo, os proprietários não poderiam ser prejudicados, motivo pelo qual o Estado brasileiro deveria ser responsabilizado e pagar indenização sobre o valor total dos imóveis, e não apenas sobre as benfeitorias.
O julgamento, como acima pontuado, foi, na sequência, novamente suspenso com o pedido de vista do Ministro André Mendonça. De acordo com o próprio regimento interno, o ministro possui 90 (noventa) dias para retomar o processo com o seu voto.
