STF: A inconstitucionalidade da tese de legítima defesa da honra nos casos de feminicídio.
Por: Manoel Renato de Jesus
Trata-se de um tema de grande relevância social, pois na atual conjuntura do Brasil constata-se o aumento de casos de crime de feminicídio consumado, decorrentes de relacionamentos abusivos e violentos em ambiente doméstico e familiar (art. 5o da lei n.o 11.340/2006 – Lei Maria da Penha), onde, por exemplo, o cônjuge ou convivente ceifa a vida de sua companheira de forma cruel, por meio de disparos de arma de fogo, arma branca e/ou outros meios fatais.
O referido crime está tipificado no art. 121 § 2o inciso IV do Código Penal Brasileiro, cuja pena é de 12 (doze) a 30 (trinta) anos de reclusão, ou seja, afigura-se como uma qualificadora do crime de homicídio, cuja pena é de reclusão de 06 (seis) a 20 (vinte) anos. (BRASIL Código Penal, Art. 121).
Ademais, além das vítimas serem brutalmente assassinadas, as circunstâncias ainda eram utilizadas por profissionais do Direito para defesa do réu em sede de Tribunal do Júri como tese de legítima defesa da honra em crimes de feminicídio, visando absolver ou obter penas mais brandas, fatores que violavam os princípios fundamentais da vida e da dignidade da pessoa humana devidamente garantidos pela Constituição Federal de 1988.
Diante dessa problemática, foi ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), em 15.03.2021, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de no 779, com pedido de medida cautelar, com o objetivo de que fosse
dada interpretação conforme à Constituição em seus artigos 23, inciso II, e 25, caput e parágrafo único, do Código Penal (CP) – Decreto-lei n. 2.848, de 07 de dezembro de 1940 – e ao art. 65 do Código de Processo Penal (CPP) – Decreto-lei no 3.689, de 03 de outubro de 1941 –, a fim de se afastar a tese jurídica da legítima defesa da honra e se fixar entendimento acerca da soberania dos veredictos. Também pleiteou o autor que se desse interpretação conforme à Constituição, “se a Suprema Corte considerasse necessário”, ao art. 483, III, § 2o, do CPP.
Após a tramitação legal, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de no 779 foi retomada na sessão plenária do Supremo Tribunal Federal no dia 01.08.2023, quando a Corte deu início às atividades do segundo semestre de 2023, considerando que, por unanimidade dos votos, é inconstitucional o uso da tese da legítima defesa da honra em crimes de feminicídio ou de agressão contra mulheres, mesmo que o Tribunal do Júri seja regido pelo princípio da plenitude de defesa.
Essa importante decisão para o ordenamento jurídico brasileiro está publicada no site do Supremo Tribunal Federal (https://portal.stf.jus.br/).
No julgamento (que ocorreu em 01 de agosto de 2023), o Plenário seguiu o Relator, Ministro Dias Toffoli, pela procedência integral do pedido apresentado pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) na ação, firmando o
entendimento de que o uso da tese, nessas situações, contraria os princípios constitucionais da dignidade humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero. De acordo com a referida decisão, dispositivos do Código Penal e do
Código de Processo Penal sobre a matéria devem ser interpretados de modo a excluir a legítima defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa. Por consequência, a defesa, a acusação, a autoridade policial e o Juízo não podem utilizar, direta ou indiretamente, qualquer argumento que induza à tese nas fases pré-processual ou processual penal, tampouco durante o julgamento do Tribunal do Júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento.
A Corte também entendeu que a anulação de absolvição fundada em quesito genérico quando, de algum modo, implicar a restauração da tese da legítima defesa da honra não fere a soberania dos vereditos do Tribunal do Júri.
Destaca-se que as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber (Presidente do STF) votaram na sessão do dia 01 de agosto de 2023, e, ao fazer um apanhado da legislação sobre o tema, a Ministra Cármen Lúcia observou que a tese da legítimadefesa da honra é mais do que uma questão jurídica: é uma questão de humanidade.
“A sociedade ainda hoje é machista, sexista, misógina e mata mulheres apenas porque elas querem ser donas de suas vidas”, afirmou.
Destarte, para a Ministra Rosa Weber, as instituições jurídicas brasileiras evoluíram em compasso com a história do mundo, rompendo com os valores arcaicos das sociedades patriarcais do passado. A seu ver, numa sociedade
democrática, livre, justa e solidária, fundada no primado da dignidade humana, “não há espaço para a restauração dos costumes medievais e desumanos do passado pelos quais tantas mulheres foram vítimas da violência e do abuso em defesa da ideologia patriarcal fundada no pressuposto da superioridade masculina pela qual se legitima a eliminação da vida de mulheres”.
PROCESSO RELACIONADO: STF, ADPF n. 779, Ministro Dias Toffoli. Julgado em 01/08/2023. Publicado em 10/08/2023.
