STF: Inadimplência da multa não obsta a extinção da punibilidade quando impossível o pagamento.

Postado por: Francisco Ilídio Ferreira Rocha

Por: Vagner Teixeira da Silva

Entenda o caso

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, proposta pelo Solidariedade – SD, em face do art. 51 do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940), com a redação dada pela Lei nº 13.964/2019, verbis: “Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.”

Alega o Partido requerente que a interpretação, empreendida pelos Tribunais brasileiros, impede a extinção da pena privativa de liberdade devidamente cumprida pelo detento em razão da inadimplência da pena de multa, contrariando frontalmente as disposições firmadas no artigo 5º da Constituição Federal, a saber incisos XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal; XLVI – a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: XLVII – não haverá penas, b) de caráter perpétuo.

Da Fundamentação

O relator do caso no Supremo Tribunal Federal, Ministro Flávio Dino, inicia a análise da controvérsia registrando que a alteração do art. 51 do Código Penal, perpetrada ante a edição da Lei nº 13.964/2019, limitou-se a incluir ou explicitar, no dispositivo legal em apreço, a competência do juiz da execução penal para executar a pena de multa, restando absolutamente inalterada quanto aos demais termos a redação que lhe havia sido dada pela Lei nº 9.268/1996. De acordo com a Lei nº 9.268/1996, “Art. 51 Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.”.

O ministro pontua em seu voto que confrontando as redações dadas ao art. 51 do CP, que a recente alteração legislativa não pretendeu desnaturar a pena de multa, a qual permanece dotada do caráter de sanção criminal, ao lado das demais sanções penais autorizadas pelo legislador constituinte originário, v.g., privação ou restrição da liberdade, perda de bens, prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos, nos moldes do elenco do art. 5º, XLVI, da Constituição Federal, em cuja alínea “c” a multa encontra-se prevista.

Para fortalecer seu argumento, o Ministro reitera que tal entendimento já foi objeto de explanação pela Suprema Corte no julgamento da ADI 3.150, ação direta igualmente veiculada contra o art. 51 do Código Penal, na sua anterior redação (Lei nº 9.268/1996), a qual determinava considerar a multa como dívida de valor e, não mais, convertê-la em pena de detenção, na hipótese em que o “condenado solvente deixa[sse] de pagá-la ou frustra[sse] a sua execução”, nos termos do caput do art. 51 do CP sob a égide da Lei nº 7.209/1984.

Na citada ação direta, o Procurador-Geral da República trouxe a Supremo Tribunal Federal a controvérsia originada da transformação legislativa da sanção penal em dívida de valor, precisamente a discussão sobre competência para executar a sanção patrimonial. No relatório da ADI 3.150, da lavra do Ministro Marco Aurélio, o mesmo afirma que a única interpretação da norma compatível com a Constituição Federal é a manutenção da competência das Varas de Execuções Penais.

Sem olvidar a diversidade dos objetos – voltada a ADI 3.150 a discutir a competência para executar a pena de multa -, o Ministro Flávio Dino, salienta que o Supremo Tribunal Federal, já havia pacificado o entendimento, sob o prisma do texto constitucional, de que a multa prevista no art. 51 do CP, embora considerada dívida de valor, não perdera a sua natureza sancionatória de cunho penal.

Ratifica essa conclusão o teor do item 1 da ementa daquele julgado, em que designado Redator para o acórdão o Ministro Luís Roberto Barroso, diz que: “A Lei nº 9.268/1996, ao considerar a multa penal como dívida de valor, não retirou dela o caráter de sanção criminal, que lhe é inerente por força do art. 5º, XLVI, c, da Constituição Federal”.

Na esteira da jurisprudência desta Casa, confirma-se a premissa de que a multa vertida no art. 51 do CP ostenta natureza de sanção penal, bem como se afasta a tese de que inconstitucional condicionar a extinção da punibilidade ao pagamento da pena de multa.

Ao contrário, respeitadas as particularidades do caso, aponta-se que a decisão proferida no 5º agravo regimental na ação penal 1.030, sob a relatoria do Ministro Edson Fachin, processo em que debatido o direito à progressão de regime, reafirmou-se a jurisprudência desta Corte no sentido de que o inadimplemento da sanção pecuniária interfere no cumprimento da pena privativa de liberdade. Assim, Fachin em sua decisão escreve que: há necessidade do recolhimento do valor correspondente à sanção pecuniária. Cita que no julgamento da EP 12 ProgReg-AgR, o Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no sentido de que a progressão de regime prisional, seja qual for a natureza do delito praticado, pressupõe o efetivo adimplemento da pena de multa caso imposta de forma cumulativa à reprimenda privativa de liberdade.

Invoca ainda, entendimento consolidado no enunciado n. 716 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, de que o deferimento da pretensão não prescinde do atendimento a todos os requisitos exigíveis para a obtenção do benefício, dentre os quais, como visto, se inclui o recolhimento do valor correspondente à sanção pecuniária imposta no acórdão condenatório, salvo inequívoca comprovação da impossibilidade de fazê-lo.

Em reforço ao entendimento de que exigível o efetivo pagamento da pena de multa, sem o que o arcabouço legal sancionatório não autoriza que seja reconhecida a extinção da pena privativa de liberdade, temos o trecho do voto do Ministro Luís Roberto Barroso, proferido na ADI 3.150: […] a pena de multa não perdeu o seu caráter de sanção penal; […] (iii) como consequência, a multa deve ser fixada com seriedade, proporcionalidade e, sobretudo, deve ser efetivamente paga.

Em 2020, o Superior Tribunal de Justiça atualizou a sua jurisprudência sobre a questão, tendo revisado, o seu Tema 931 para assentar que, “na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade”, superando, assim, a tese em sentido contrário anteriormente fixada.

Da Decisão

Por fim, o relator do caso, Ministro Flávio Dino, decidiu sobre o parcial provimento do pedido, para conferir ao art. 51 do Código Penal interpretação no sentido de que, cominada conjuntamente com a pena privativa de liberdade, a pena de multa obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade, salvo na situação de comprovada impossibilidade de seu pagamento pelo apenado, ainda que de forma parcelada. Acrescentou ainda a possibilidade de o juiz de execução extinguir a punibilidade do apenado, no momento oportuno, concluindo essa impossibilidade de pagamento através de elementos comprobatórios constantes dos autos.