STF: Inconstitucionalidade de Lei Tocantinense que criou o cadastro de antecedentes para dependentes e usuários de drogas ilícitas
Por: Cleison Soares da Silva Benites
RELATÓRIO DO CASO
No dia 12 de agosto de 2019 foi publicada no estado federado do Tocantins uma Lei Estadual, Lei n. 3.528/2019, que instituiu o Cadastro Estadual de Usuários e Dependentes de drogas ilícitas, em sede da Secretaria de Saúde (SES) e Secretaria de Segurança Pública (SSP).
Nesse sentido, a Lei, cujo projeto é de autoria da Deputada Estadual Valderez Castelo Branco, teria a finalidade de propiciar aos órgãos públicos o conhecimento dos usuários e dependentes de drogas, como também os meios legais para os libertar do referido vício.
Assim, a partir do registro policial, ou outra fonte oficial, haveria uma lista elaborada pela Secretaria Estadual de Segurança Pública contendo o nome do usuário, droga possuída, sua forma de aquisição e outras informações complementares de caráter reservado. Ainda, seria a lista compartilhada com a Secretaria de Saúde do Estado. Vejamos:
Art. 1º Fica criado o Cadastro de Usuários e Dependentes de Drogas no Estado do Tocantins.
1º Os usuários e dependentes de drogas do Estado do Tocantins serão cadastrados pela Secretaria Estadual de Segurança Pública, a partir do registro de ocorrência policial ou de outra fonte de informação oficial.2º A lista de que trata o parágrafo anterior deverá conter:
I – o nome do usuário ou dependente;
II – o nome da droga de posse do usuário apontada no registro de ocorrência policial ou de outra fonte de informação oficial;
III – a forma pela qual o usuário ou dependente adquiriu a droga;
IV – outras informações de caráter reservado, objetivando preservar a intimidade do cadastrado.
3º Este cadastro será compartilhado com a Secretaria da Saúde.
4º O nome do usuário será excluído da lista na data em que for requerido, devendo acompanhar este pedido o laudo. (BRASIL, Lei n. 3.528, 2019, Art. 1º).
Contudo, o Procurador-Geral da República propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade sob a alegação de vício formal quanto à Lei, posto que seja competência privativa da União legislar acerca de matéria penal e processual penal, conforme expõe o Art. 22, I, da Constituição Federal de 1988, assim como houve alegação de vício material, uma vez que a referida lei consubstancia-se em afronta aos metas princípios constitucionais da dignidade humana, intimidade, vida privada, presunção de inocência e ao devido processo legal.
A despeito da Ação Direta de Inconstitucionalidade, esta fora protocolada sob o n. ADI 6561, na data de 21 de setembro de 2020, cujo Relator é o Ministro Edson Fachin, bem como o início do julgamento se deu em 11 de junho de 2021. No dia 13 de outubro de 2020 houve a concessão de medida cautelar para a suspensão da aplicação de referida norma pelo Supremo Tribunal Federal, conforme o voto do Relator. Contudo, somente em 04 de setembro de 2023 a ADI foi julgada, por unanimidade, no intuito de reconhecer a inconstitucionalidade da Lei ora questionada. (STF, 2023, s/p).
FUNDAMENTOS DA DECISÃO
No julgamento da questão, o Relator abordou os aspectos formais e materiais de (in)constitucionalidade da Norma. Vejamos:
A norma é formalmente inconstitucional, uma vez que, ao criar o Cadastro Estadual de Usuários e Dependentes de Drogas (art. 1º) no âmbito da Secretaria Estadual de Segurança Pública com informações concernentes ao registro de ocorrência policial (§1º), inclusive sobre reincidência (§4º), invade competência privativa da União para legislar sobre matéria penal e processual penal (CRFB, art. 22, I). (STF. ADI 6561 MC, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 13/10/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-260 DIVULG 28-10-2020 PUBLIC 29-10-2020)
Assim, em seu processo de produção e elaboração, o Ministro Relator entendeu que houve flagrante desconformidade com as normas constitucionais. Isso se dá, segundo o entendimento do Relator, pois ao instituir normas referentes ao registro policial e reincidência haveria atividade legiferante acerca de matéria penal e processual penal, que, por força constitucional, é privativa da União (Art. 22, I, CF, 1988).
Além do mais, no que tange ao direito à saúde, que é de competência concorrente entre União e Estados, é lícito a estes apenas a ampliação de direitos fundamentais e não sua redução ou restrição. Portanto, tal norma foi considerada pelo Relator, também, em seu aspecto formal, inconstitucional. Notemos:
Ademais, o exercício da competência concorrente em matéria de direito sanitário (CRFB, art. 24, XII), no federalismo cooperativo, deve maximizar direitos fundamentais e não pode ir de encontro à norma federal. No caso, nos termos da Lei federal n. 11.343/2006, a sistematização de informações é competência da União (art. 8º-A, XII). (STF. ADI 6561 MC, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 13/10/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-260 DIVULG 28-10-2020 PUBLIC 29-10-2020)
Depois, ao analisar materialmente a conformidade da Lei com a Constituição, o Relator afirmou que:
Materialmente, também há inconstitucionalidade. A seletividade social do cadastro é incompatível com o Estado de Direito e os direitos fundamentais que a Constituição de 1988 protege, especialmente, a igualdade (CRFB, art. 5º, caput ), a dignidade da pessoa humana (CRFB, art. 1º, III), o direito à intimidade e à vida privada (CRFB, art. 5º, X) e o devido processo legal (CRFB, art. 5º, LIV). Inexistência tampouco de protocolo claro de proteção e tratamento desses dados. (BRASIL. STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.561/TO. Lei 3.538/19. Lei que criou o Cadastro de Usuários e Dependentes de Drogas no Estado do Tocantins. Inconstitucionalidade. Relator: Min. Edson Fachin. 08 de maio de 2023. (STF. ADI 6561 MC, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 13/10/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-260 DIVULG 28-10-2020 PUBLIC 29-10-2020)
Portanto, o Relator considerou que foram lesionados diversos direitos constitucionais fundamentais de nosso ordenamento jurídico, tais como o da igualdade, dignidade da pessoa humana, intimidade e vida privada, afetando materialmente sua constitucionalidade. Ademais, ao incluir os dependentes em lista de antecedentes sem condenação transitada em julgado fere-se o devido processo legal.
DA DECISÃO
Acerca da decisão pelos pares do Supremo Tribunal Federal, houve consideração de que, apesar do intuito de melhorar a atuação dos órgãos públicos de segurança e saúde, tal norma mostra-se incompatível com a Constituição pátria, posto que fira materialmente e formalmente os preceitos constitucionais.
Dessa maneira, considerou-se, por unanimidade, que foram lesionados não só diversos direitos constitucionais de nosso ordenamento jurídico, mas também a distribuição de competência entre os entes federativos.
Assim, frente aos argumentos expostos, em seu voto e relatoria, o Ministro Edson Fachin afirmou que “[…] o que há é autoritarismo estatal que busca, na exceção e classificação, espaços anômicos alheios à legalidade constitucional”. (STF. ADI 6561 MC, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 13/10/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-260 DIVULG 28-10-2020 PUBLIC 29-10-2020)
Dessa forma, foi o voto do Relator acompanhado, por unanimidade, pelos demais Ministros, sendo julgado procedente (julgamento no dia 04 de setembro de 2023) o pedido na Petição Inicial da ADIn 6551, protocolada pelo Procurador-Geral da República, para declarar a inconstitucionalidade da Lei 3.528 de 12 de agosto de 2019, do Estado do Tocantins.
Em conclusão, segundo o Procurador-Geral da República, a norma instituiu uma espécie de lista de antecedentes criminais que tem por finalidade não a recuperação do dependente, mas torná-lo conhecido no meio policial como usuário de entorpecentes. Portanto, não há conformidade entre os fins ansiados pela norma e sua real repercussão. Ainda afirma acertadamente que “Não se recuperam pessoas lançando-as em cadastro que poderá trazer mais exclusão e estigmatização”. (STF. ADI 6561 MC, Relator(a): EDSON FACHIN, julgamento em 04/09/2023).
PROCESSO RELACIONADO: ADI 6.561/TO
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 20 set. 2023.
BRASIL. Lei n. 3.528 de 12 de agosto de 2019. Cria o Cadastro Estadual de Usuários e Dependentes de Drogas no Estado do Tocantins e dá outras providências. Disponível em: https://www.al.to.leg.br/arquivos/lei_3528-2019_49681.PDF. Acesso em: 20 set. 2023.
STF. ADI 6561 MC, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 13/10/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-260 DIVULG 28-10-2020 PUBLIC 29-10-2020. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6008887. Acesso em: 20 set. 2023.
