STF: Indenização por danos morais pode ultrapassar tabelamento da CLT
POR: Gabriele Rezende Dias
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o tabelamento dos danos morais, previstos na CLT nos artigos 223-A e 223-G, parágrafos 1º, incisos I, II, III e IV, 2º e 3º é inconstitucional.
Entenda o Caso:
A Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA, juntamente com a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria – CNTI e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil propôs ações diretas de inconstitucionalidade, todas com medida cautelar, dos artigos 223-A e 223-G, §§ 1º e 2º, da CLT, na redação alterada pela medida Provisória 808/2017 e na redação dada pela Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista).
A ANAMATRA sustenta que a lei não poderia limitar a atuação do poder judiciário na fixação do valor da indenização por dano moral, sob pena de restringir o próprio exercício da jurisdição, conforme precedente do STF na ADPF 130 que, por maioria, entendeu pela inconstitucionalidade da limitação dos valores de indenização estabelecidos na Lei de Imprensa.
Inferiu que a condenação por dano moral, decorrente de lesão ocorrida na relação de trabalho, tem sede em diversos dispositivos constitucionais, não apenas no art. 7º, inciso XXVII, que prevê a hipótese decorrente de acidente de trabalho, como também no art. 225, caput, § 3º; e art. 170, caput e inciso VI, da Constituição/88, que teriam sido violados pelo art. 223-G, § 1º, da CLT, na redação dada pela MP 808/2017.
O Conselho Federal da OAB, na mesma linha de entendimento das demais postulantes, assevera que o restabelecimento da redação do art. 223-G, após a caducidade da MP 808/2017, implicou grave prejuízo aos trabalhadores, porquanto o valor da indenização passou a ser balizado pelo salário contratual do trabalhador e não pelo teto salarial do Regime Geral de Previdência Social, não mais excetuando dessa regra a reparação por morte.
Ademais, afirma que a redação do dispositivo legal, em tese, prejudica os princípios dos direitos trabalhistas à medida que:
1) fixou um teto indenizatório inexistente no direito civil, deixando de observar, assim, o princípio da isonomia;
2) instituiu tabelamento de indenização em confronto com os princípios da reparação integral do dano e da dignidade da pessoa humana;
3) impediu a correta valoração do dano pelo magistrado, interferindo no exercício da jurisdição e atentando contra os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade; e
4) precificou o dano conforme a remuneração do ofendido, fazendo com que as indenizações sejam previamente calculáveis ao empregador, possibilitando-se o cotejo entre a permanência da violação e a suposta reparação do dano sob o viés, razoavelmente, objetivo para a fixação de valores a título de compensação desses danos e admitem a revisão de julgados que fixem montantes irrisórios ou exagerados, ou seja, desproporcionais, mas o que é inadmissível à luz da Constituição de 1988 é a limitação prévia e abstrata em lei, em detrimento de trabalhadores e nitidamente contrária à Constituição.
A AGU, no entanto, manifestou-se contrária ao objeto da ADI. Sustentando que dentro das extensas margens estabelecidas no texto legal, a Justiça Trabalhista tem autonomia para definir a natureza da ofensa, classificando-a como leve, média, grave ou gravíssima, assim como para estabelecer o valor adequado à reparação do dano e aduz que o parâmetro estabelecido pelo inciso IV do § 1º do art. 233- G da CLT não corresponde, propriamente, ao limite máximo do valor da reparação, uma vez que pode ser ultrapassado em situações específicas, como na hipótese de reincidência, em que a quantia pode ser estipulada pelo dobro.
Defende ser razoável a adoção do salário do ofendido como base de cálculo do valor máximo da indenização extrapatrimonial, haja vista não gerar insegurança jurídica ao ofensor ou mesmo risco à continuidade de sua atividade econômica.
Fundamentos da decisão:
A doutrina e jurisprudência compreendem que a tarifação de reparações por danos extrapatrimoniais deve ser feita segundo o prudente arbítrio do juiz, de acordo com as peculiaridades do caso concreto, atentando, a um só tempo, para as funções compensatória e pedagógica da reparação, e para os princípios de razoabilidade e proporcionalidade, sempre recordando que a técnica reparatória não pode servir ao propósito de mero enriquecimento pessoal da vítima, nem pode perder sua capacidade de instigar séria reflexão ao ofensor.
Para além da inconstitucionalidade do sistema de tabelamento, à luz do art. 5º, V e X, da Constituição da República, o dispositivo impugnado, no que adotou o salário contratual do ofendido como referência para o valor da indenização por danos extrapatrimoniais, implica violação da dignidade humana do trabalhador.
Trata-se de verdadeiro desvirtuamento de todo o arcabouço axiológico-normativo do Estado Democrático brasileiro, fundado na centralidade da pessoa humana e na valorização social do trabalho (CF, art. 1º, III e IV). O reconhecimento da subjetividade de cada trabalhador, materializado no direito à dignidade no âmbito intersubjetivo da relação de trabalho, não se submete à régua da capacidade econômica. Não se mede a dignidade pela riqueza, padrão financeiro e sequer pela estima social.
Decisão:
O Tribunal, por maioria, conheceu as ADIs 6.050, 6.069 e 6.082 e julgou parcialmente procedentes os pedidos para conferir interpretação conforme a Constituição, de modo a estabelecer que:
1) As redações conferidas aos arts. 223-A e 223- B, da CLT, não excluem o direito à reparação por dano moral indireto ou dano em ricochete no âmbito das relações de trabalho, a ser apreciado nos termos da legislação civil;
2) Os critérios de quantificação de reparação por dano extrapatrimonial previstos no art. 223-G, caput e § 1º da CLT deverão ser observados pelo julgador como critérios orientativos de fundamentação da decisão judicial.
É constitucional, porém, o arbitramento judicial do dano em valores superiores aos limites máximos dispostos nos incisos I a IV do § 1º do art. 223-G, quando consideradas as circunstâncias do caso concreto e os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da igualdade. Tudo nos termos do voto do Relator (Ministro Gilmar Mendes), vencidos os Ministros Edson Fachin e Rosa Weber (Presidente), que julgavam procedente o pedido das ações.
