STF: Inviabilidade da aplicação do “Acordo de Não Persecução Penal” aos crimes raciais.
Por: André Luciano Vicente da Silva
Resumo do caso
Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus – RHC 222.999/SC, impetrado pelo réu, no qual buscava que fosse possibilitada, pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina – MP/SC, a apresentação de Acordo de Não Persecução Penal – ANPP ao mesmo. Ocorre que ele é acusado de crime racial, mais precisamente o crime de injúria racial previsto no Art. 140, §3º do Código Penal.
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal – STF negou por maioria o recurso e definiu que é incabível o oferecimento de ANPP nos crimes raciais. O relator do caso, Ministro Edson Fachin, sustentou, inclusive, a negativa até mesmo da análise de prequestionamento da matéria ao fixar a tese.
Segundo o relator, não há compatibilidade entre os requisitos para a possibilidade de aplicação do ANPP e os direitos fundamentais tutelados pela Constituição Federal.
O que é o ANPP
O Acordo de Não Persecução Penal é uma inovação trazida pelo chamado Pacote Anticrime – Lei 13.964/2019 que trouxe mudanças para a legislação penal de forma geral, sendo incluso neste caso, o Código de Processo Penal – CPP. O instrumento já existia dentro da resolução 181/2017, do Conselho Nacional de Justiça, mas não era utilizado de maneira consolidada até a promulgação da lei citada.
Passou a existir dentro do CPP o Art. 28-A, que traz em seu texto a possiblidade de que o Ministério Público tenha a prerrogativa de propor o acordo ao acusado, desde que seja cumprido cumulativamente um rol de condições específicas.
O instituto do acordo visa beneficiar a Justiça Criminal de forma geral, diminuindo a quantidade de processos em andamento por crimes que, pelos requisitos do Art. 28-A, podem ser considerados de menor potencial ofensivo e, dessa forma, não se moveria a máquina pública para processar, julgar e punir tal infração, cuja punição não ultrapassaria os 04 anos, mas que teria levado um tempo processual talvez superior à condenação.
O ANPP, portanto, não é um direito garantido ao réu, mas sim uma prerrogativa do MP, que o proporá nos casos em que considere que o acordo será suficiente para a reprovação e prevenção do crime, sem a necessidade do processo penal comum.
Dos direitos tutelados no combate aos crimes raciais
O Art. 3º da Constituição Federal de 1988 trata os objetivos fundamentais da República Federativa e dispõe em seu inciso IV que o Brasil irá “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
O pressuposto acima, é um dos conceitos basilares em que é alicerçada a Constituição, sendo que os crimes que violam os bens tutelados por este artigo, têm uma especial proteção do Estado. Especificamente no caso dos crimes raciais, o próprio corpo da Carta Magna fundamenta no Art. 5º, XLII que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. A imprescritibilidade é uma exceção no Direito Penal brasileiro e no caso em tela demonstra o peso que é dado à proteção do bem tutelado.
Não obstante a tutela trazida pelo texto constitucional, o Brasil é signatário de tratados internacionais que buscam alcançar o mesmo objetivo. Trata-se, portanto, da “Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Preconceito Racial” que antecede a própria CF/88, sendo aprovada pela ONU em 1967 e ratificada pelo então Governo Brasileiro, dois anos após. De forma bem mais recente, há ainda a “Convenção Interamericana contra o Racismo, discriminação racial e Formas Correlatas de Intolerância” que foi aprovada pelo país apenas em 2021, apesar de já existir desde 2013.