STF – Licença-maternidade para mulher não gestante em união homoafetiva é constitucional
Por: André Luciano Vicente da Silva
Resumo do caso
O caso em questão se trata de uma servidora pública em união homoafetiva com uma mulher que deu à luz a filho de ambas com o óvulo fornecido pela primeira através de inseminação artificial. O município de São Bernardo do Campo, onde a servidora presta seus serviços recorreu à justiça devido ao fato de não ter sido esta a mulher que passou pelo período gestacional e segundo seu entendimento não teria direito à licença-maternidade de 180 dias. Não obtendo sucesso nas instâncias inferiores recorreu ao Supremo Tribunal Federal, através do Recurso Extraordinário 1211146, para buscar obter sucesso em negar a licença.
Da licença-maternidade e licença-paternidade
A licença maternidade é um direito garantido pela Constituição Federal em seu Art. 7º, XVIII. Conforme o texto, a mulher gestante terá direito à licença de 120 dias, sem prejuízo de seu emprego e remuneração. Não obstante, os órgãos públicos da administração, direta e indireta, em seus respectivos estatutos possuem a mesma garantia, com a comum diferença de que para suas servidoras é garantido um prazo maior, de 180 dias.
A licença paternidade também é prevista no mesmo artigo em seu inciso XIX, porém sem prazo definido que viria a ser regulamentado por lei. Os constituintes originários, no entanto, se anteviram à não existência dessa lei e garantiram, através do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias em seu Art. 10, §1º, o prazo de 05 dias para esta licença até que a lei disciplinasse de maneira diferente. Tal norma ainda inexiste em nosso ordenamento, inclusive tendo ações declaratórias de omissão, em desfavor do Congresso, para que essa licença seja regulamentada. Destaca-se que desde 2016, essa licença pode ser ampliada para 20 dias, nos casos de empresas filiadas ao Programa Empresa Cidadã. Esse prazo de 20 dias também é o geralmente usado nos estatutos que regulamentam o prazo para servidores públicos. Mais recentemente, em 2022, a Lei n. 14.457/22 não chegou a alterar o prazo sobre a licença, porém agregou aos pais adotantes e aos que adquirem guarda compartilhada, o direito de gozarem da licença.
Em ambas as hipóteses, ainda mais no caso da mãe, a licença visa garantir, não um direito dos pais em si, e sim da criança de ter um tempo em que seus pais tenham toda sua atenção voltada a ela. Essa atenção tem o escopo não apenas dos cuidados maternais e paternais necessários que uma criança precisa, haja vista suas limitações, mas também para se criar e fortalecer o vínculo parental importantíssimo para o desenvolvimento da criança.
Da decisão
O STF, após análise do caso, julgou improcedente o pedido do munícipio e consequentemente garantiu a constitucionalidade da licença-maternidade para a mãe não gestante. Ocorre que devido ao fato de a outra mãe ser trabalhadora autônoma, e dessa forma não haver a possibilidade de gozar do direito, este recai sobre a primeira.
Entre os argumentos trazidos pelo Ministro Luiz Fux, relator do caso, se destaca o de que casais formados pelo mesmo sexo devem receber a mesma proteção dada pela CF às famílias tradicionais. No mesmo raciocínio, Fux trouxe as garantias constitucionais da proteção da maternidade (Art. 7º, XVIII) e da infância (Art. 39, §3º) que visam garantir o desenvolvimento da criança e que não deve ser afetado pelo fato de apenas uma das mães engravidar. A decisão pela garantia do direito à servidora pública foi unânime entre os Ministros.
O Supremo ainda fixou tese de repercussão geral ao caso, garantindo que em casos da mesma natureza, o mesmo entendimento seja aplicado. Na decisão, também, ficou reconhecido o direito de que em casos em que uma das mães tenha a possiblidade de retirar a licença, a outra automaticamente tem o direito à licença paternidade.
Houveram mínimas divergências apenas na fixação da tese, já que os Ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Carmen Lúcia tinham a visão de que como nessa forma de união as duas são mães, ambas deveriam ter o direito à licença-maternidade. Entretanto estes foram vencidos e prevaleceu a tese de que a licença maternidade é garantida para uma e a licença paternidade para a outra.
