STF: Paciente tem direito a tratamento médico compatível com as suas convicções religiosas
POR: Josiene Dias Barbosa
O Recurso Extraordinário (RE) n. 979.742, com repercussão geral (Tema 952), abordou a obrigação do poder público em custear tratamentos médicos alternativos que respeitem as convicções religiosas dos pacientes. O caso em questão envolve um paciente maior de idade, membro da comunidade cristã das Testemunhas de Jeová, que se negou a realizar uma cirurgia em Manaus, capital do estado do Amazonas, onde os hospitais públicos exigiam transfusão de sangue, em desacordo com suas crenças. O paciente pleiteou judicialmente a realização do procedimento em São Paulo, onde a cirurgia poderia ser realizada sem a necessidade de transfusão.
O juiz de primeira instância deferiu o pedido, condenando a União, o estado do Amazonas e o município de Manaus a arcar com as despesas de deslocamento. A União recorreu da decisão que a obrigou a custear o tratamento do paciente, juntamente com o estado do Amazonas e o município de Manaus, argumentando que não deveria ser responsabilizada pelo pagamento de um tratamento alternativo em razão de convicções religiosas.
Os princípios que fundamentaram a decisão analisaram, sob a ótica dos direitos constitucionais à igualdade e à razoabilidade, se o direito à liberdade religiosa, garantido no inciso VI do artigo 5º da Constituição Federal, justifica o financiamento de um tratamento médico que não está disponível na rede pública.
Em seu voto, o Ministro Luís Roberto Barroso destacou que a liberdade religiosa assegura ao paciente o direito de recusar o procedimento médico, desde que essa decisão seja tomada de forma livre, consciente e informada sobre as consequências. Ele ressaltou que, havendo a possibilidade de um tratamento alternativo à transfusão de sangue no Sistema Único de Saúde (SUS), é dever do Estado garantir que o paciente Testemunha de Jeová tenha acesso a esse procedimento, incluindo o custeio de transporte e estadia em outro estado, desde que os custos não sejam desproporcionais.
O Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, negou provimento ao mencionado recurso extraordinário e estabeleceu a seguinte tese: “1. Testemunhas de Jeová, quando maiores e capazes, têm o direito de recusar procedimentos médicos que envolvam transfusão de sangue, com base na autonomia individual e na liberdade religiosa. 2. Como consequência, em respeito ao direito à vida e à saúde, têm direito aos procedimentos alternativos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), podendo, se necessário, buscar tratamento fora de seu domicílio” (STF, 2024, RE n. 979.742).
Dessa forma, o julgamento reafirmou a importância da liberdade religiosa no contexto da saúde, estabelecendo precedentes para o respeito às crenças religiosas individuais e a obrigação do Estado em oferecer alternativas adequadas no sistema de saúde pública.