STF: União, Estados, Distrito Federal e Municípios poderão estabelecer medidas para implementação da vacinação compulsória.
TESE FIXADA:
“(A) A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, por exigir sempre o consentimento do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e (i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, (ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, (iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas; (iv) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, e (v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente; e (B) tais medidas, com as limitações acima expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência”.
RESUMO:
A obrigatoriedade da vacinação não contempla a imunização forçada, porquanto é levada a efeito por meio de medidas indiretas.
A obrigatoriedade da vacinação a que se refere à legislação sanitária brasileira não pode contemplar quaisquer medidas invasivas, aflitivas ou coativas, em decorrência direta do direito à intangibilidade, inviolabilidade e integridade do corpo humano, afigurando-se flagrantemente inconstitucional toda determinação legal, regulamentar ou administrativa no sentido de implementar a vacinação sem o expresso consentimento informado das pessoas.
Cabe destacar que a compulsoriedade da vacinação, cujo marco legal foi institucionalizado pela Lei 6.259/1975, regulamentada pelo Decreto 78.231/1976, não contempla a imunização forçada, porquanto é levada a efeito por meio de sanções indiretas, consubstanciadas, basicamente, em vedações ao exercício de determinadas atividades ou à frequência de certos locais (Portaria 597/2004 do Ministério da Saúde, arts. 4º e 5º) (1).
No caso do enfrentamento à pandemia causada pela COVID-19, a previsão de vacinação obrigatória, excluída a imposição de vacinação forçada, afigura-se legítima, desde que as medidas a que se sujeitam os refratários observem os critérios que constam da própria Lei 13.979/2020 (art. 3º, § 2º, I, II e III) (2), a saber, o direito à informação, à assistência familiar, ao tratamento gratuito e, ainda, ao “pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas”. E, assim como ocorre com os atos administrativos em geral, essas medidas indiretas precisam respeitar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, de forma a não ameaçar a integridade física e moral dos recalcitrantes.
A vacinação universal e gratuita pode ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes.
Essas medidas devem (i) ter como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, (ii) vir acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, (iii) respeitar a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas; e (iv) atender aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade.
União, estados, Distrito Federal e municípios, observadas as respectivas esferas de competência, poderão estabelecer medidas indiretas para implementação da vacinação compulsória.
A competência do Ministério da Saúde para coordenar o Programa Nacional de Imunizações e definir as vacinas integrantes do calendário nacional de imunização não exclui a dos estados, do Distrito Federal e dos municípios para estabelecer medidas profiláticas e terapêuticas destinadas a enfrentar a pandemia decorrente do novo coronavírus, em âmbito regional ou local, no típico exercício da competência comum para “cuidar da saúde e assistência pública” (CF, art. 23, II) (3).
A defesa da saúde compete a qualquer das unidades federadas, seja por meio da edição de normas legais, seja mediante a realização de ações administrativas, sem que, como regra, dependam da autorização de outros níveis governamentais para levá-las a efeito, cumprindo-lhes, apenas, consultar o interesse público que têm o dever de preservar.
O federalismo cooperativo, longe de ser mera peça retórica, exige que os entes federativos se apoiem mutuamente, deixando de lado eventuais divergências ideológicas ou partidárias dos respectivos governantes, sobretudo diante da grave crise sanitária e econômica decorrente da pandemia desencadeada pelo novo coronavírus. Bem por isso, os entes regionais e locais não podem ser alijados do combate à Covid-19, notadamente porque estão investidos do poder-dever de empreender as medidas necessárias para o enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do alastramento incontido da doença.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedentes as ações diretas, para conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 3º, III, d, da Lei 13.979/2020 (4).
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(1) Portaria 597/2004 do Ministério da Saúde: “Art. 4º O cumprimento da obrigatoriedade das vacinações será comprovado por meio de atestado de vacinação a ser emitido pelos serviços públicos de saúde ou por médicos em exercício de atividades privadas, devidamente credenciadas pela autoridade de saúde competente (…) Art. 5º Deverá ser concedido prazo de 60 (sessenta) dias para apresentação do atestado de vacinação, nos casos em que ocorrer a inexistência deste ou quando forem apresentados de forma desatualizada. § 1º Para efeito de pagamento de salário-família será exigida do segurado a apresentação dos atestados de vacinação obrigatórias estabelecidas nos Anexos I, II e III desta Portaria. § 2º Para efeito de matrícula em creches, pré-escola, ensino fundamental, ensino médio e universidade o comprovante de vacinação deverá ser obrigatório, atualizado de acordo com o calendário e faixa etária estabelecidos nos Anexos I, II e III desta Portaria. § 3º Para efeito de Alistamento Militar será obrigatória apresentação de comprovante de vacinação atualizado. § 4º Para efeito de recebimento de benefícios sociais concedidos pelo Governo, deverá ser apresentado comprovante de vacinação, atualizado de acordo com o calendário e faixa etária estabelecidos nos Anexos I, II e III desta Portaria. § 5º Para efeito de contratação trabalhista, as instituições públicas e privadas deverão exigir a apresentação do comprovante de vacinação, atualizado de acordo com o calendário e faixa etária estabelecidos nos Anexos I, II e III desta Portaria”.
(2) Lei 13.979/2020: “Art. 3º (…) § 2º Ficam assegurados às pessoas afetadas pelas medidas previstas neste artigo: I – o direito de serem informadas permanentemente sobre o seu estado de saúde e a assistência à família conforme regulamento; II – o direito de receberem tratamento gratuito; III – o pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas, conforme preconiza o Artigo 3 do Regulamento Sanitário Internacional, constante do Anexo ao Decreto nº 10.212, de 30 de janeiro de 2020.”
(3) CF: “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (…) II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;”
(4) Lei 13.979/2020: “Art. 3º. Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas: (…) III – determinação de realização compulsória de: (…) d) vacinação e outras medidas profiláticas;”
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Processo relacionados:
– ADI 6586/DF, relator Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 16 e 17.12.2020
– ADI 6587/DF, relator Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 16 e 17.12.2020
FONTE: Informativo 1003/2021 STF