STJ: A condução da oitiva de testemunhas pelo magistrado atenta contra o imperativo de imparcialidade do juízo.

Postado por: Francisco Ilídio Ferreira Rocha

Por: Manoel Renato de Jesus

RELATÓRIO DO CASO

O texto em tela versa sobre Habeas Corpus impetrado perante o Supremo Tribunal Federal (STF) contra decisão monocrática proferida no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que não conheceu do HC 535.249/SP. Este, por outro turno, foi impetrado em decorrência de ato processual de 1º grau conduzido pelo Juízo da Vara Criminal de Tupã/SP, tendo réu acusado por tráfico de drogas, o qual foi preso em flagrante delito no dia primeiro de agosto de 2018, quando portava consigo 04 porções de maconha.

No decorrer da fase processual, o Juiz não agiu com a imparcialidade necessária, pois iniciou a audiência de instrução e julgamento com formulação de perguntas às testemunhas de acusação antes mesmo de dar a palavra ao membro do Ministério Público, considerando que a inquirição do magistrado foi tão detalhada que ao ser passada a palavra ao Ministério Público Estadual, este se absteve de outras perguntas. Diante disso, após sentença definitiva em 1ª instância, o caso foi levado, pelo advogado de defesa, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) por meio da impetração de Habeas Corpus, devido à conduta do realizar a inquirição das testemunhas. Porém, em sede de decisão monocrática, o Habeas Corpus não foi conhecido pelo STJ, por considerar que o “habeas corpus não pode ser utilizado como sucedâneo de revisão criminal” (HC 123430, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 14/10/2014).

DA DECISÃO E SEUS FUNDAMENTOS

Mesmo reconhecendo que o Habeas Corpus não é o meio adequado para a revisão criminal, o STF, por meio do ministro-relator, distinguiu que a atuação do magistrado ao conduzir o interrogatório foi inadmissível por atentar contra imparcialidade do órgão julgador e contra o sistema acusatório que rege o modelo processual penal brasileiro.

Segundo o entendimento do STF, o Juiz não atuou de forma imparcial ao proceder realização da inquirição das testemunhas de acusação e defesa, desrespeitando, portanto, a legalidade estrita, o devido processo legal e as garantias fundamentais individuais. Agindo dessa forma, o Juiz infringiu o que preceitua o disposto no art. 212 do Código de Processo Penal (CPP) onde consta que “o magistrado poderia intervir somente em duas hipóteses: se evidenciada ilegalidade ou regularidade na condução do depoimento ou, ao final, para complementar a oitiva, se ainda existisse dúvida, nessa última hipótese sempre atuando de forma supletiva e subsidiária”.

Além disso, cabe ressaltar que a separação entre as atividades de acusar e julgar não autoriza que o juiz conduza o interrogatório e assuma o papel de produção de provas, mas que adote uma postura de imparcialidade do Poder Judiciário, com fulcro na Constituição Federativa do Brasil de 1988, art. 5º incisos LIII e LXI e em respeito ao princípio do acusatório que estabelece a distinção entre o órgão acusatório e o órgão julgador.

Assim, a persecução penal não é somente instrumento para o exercício de punir do Estado, mas, também, garantia da ampla defesa e devido processo legal.

Orientada por tais fundamentos, a decisão do Superior Tribunal de Justiça se deu nos seguintes termos: (a) com base no art. 192 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF) não conheceu do Habeas Corpus, por não ser o instrumento adequado para insurgir contra a decisão combatida; porém, (b) concedeu a ordem de ofício a fim de reconhecer a nulidade na ação penal originária a partir da audiência de instrução e julgamento, com reflexo em todos os atos processuais subsequentes, e ainda determinou a imediata soltura de réu.

PROCESSO RELACIONADO:  HABEAS CORPUS 202.557 SÃO PAULO 03/08/2021