STJ: A decisão sobre o rol taxativo da ANS e as atualizações trazidas pela Lei n° 14.454/2022
POR: Maiara Ribeiro de Oliveira
O presente acórdão trata-se do que ficou conhecido como o debate sobre o rol taxativo, que discutiu direitos e obrigações da relação contratual que envolviam os planos de saúde e seus usuários. No julgamento, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) compreendeu ser taxativo o rol de procedimentos estabelecidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)[1], não sendo as operadoras dos planos de saúde obrigadas a cobrirem tratamentos não previstos na lista. Nesse sentido, firmou-se o que entendimento de que as operadoras dos planos de saúde estavam amparadas pela excludente de responsabilidade civil do exercício regular do direito, disposto no artigo 188, inciso I, do Código Civil (CC).
Interessante observar que havia, até então, posicionamentos contrários entre as duas turmas integrantes da segunda seção do STJ: a Terceira Turma ratificava ser o rol de procedimentos em saúde, com fulcro em lei e editado pela ANS, de caráter meramente exemplificativo; já a Quarta Turma, a partir do julgado no REsp n. 1.733.013/PR (decidido em 10/12/2019, publicado no DJe 20/2/2020), definia, após aprimorado o exame do tema com participação de diversos amici curiae, o rol como taxativo[2].
O que restou decidido pelo STJ é que não há o dever de fornecer toda e qualquer cobertura exigida pelos usuários dos planos de saúde. O rol da ANS, de acordo com o STJ, demonstra não privilegiar nenhuma das partes da relação contratual, pois era a solução estabelecida pelo próprio legislador para se apropriar da relação contratual. Com efeito, firmou-se o entendimento de que não caberia ao Poder Judiciário substituir o legislador, infringindo a tripartição de poderes e suprimindo a função legal da ANS, não competindo aos magistrados a imposição dos próprios valores de modo a submeter o jurisdicionado a amplo subjetivismo.
Diante de todo o exposto, o que se verifica no caso concreto é que o contrato de assistência à saúde coloca em conflito dois valores adversos. De um lado, a operação econômica, das quais a estabilidade deve ser resguardada como meio de assegurar a utilidade do contrato. Ao contrário, o interesse material do consumidor na preservação da sua saúde. Desse modo, o STJ concluiu que, se fosse o rol da ANS meramente exemplificativo, descaracterizaria sua função principal, não sendo capaz de fixar o preço da cobertura diante de lista de procedimentos indefinida. O prejuízo para o consumidor seria, pois, imprescindível. Nesse caso, por maioria dos votos e, embora por fundamentações distintas, estabeleceu-se a tese quanto à taxatividade, via de regra, do rol de procedimentos da ANS, negando-se, assim, provimento aos embargos de divergência.
Depois de finalizado o julgado do STJ acima analisado, novas repercussões sobre a temática surgiram. Dentro desse contexto, foi promulgada a Lei n° 14.454, de 21 de setembro de 2022, estabelecendo critérios que permitem a cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar.
Atualmente, portanto, caso o tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol da ANS a cobertura poderá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde nos seguintes casos: a) exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou b) existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.
[1] A Lei nº 9.961/2000 criou a ANS, impondo, no seu artigo 3°, a finalidade institucional de promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde.
[2] Salvo situações excepcionais, nas quais, dentro da instrução processual, o juízo pudesse estabelecer a cobertura que fosse necessária para a garantia da saúde do beneficiário.