STJ: A gravidade abstrata do delito não é fundamentação idônea para exigir exame criminológico
Por: Vagner Teixeira da Silva
Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado apontando como autoridade coatora o Desembargador relator do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que indeferiu o pedido liminar apresentado no HC n. 2204507-83.2023.8.26.0000. que versa sobre ilegalidade da exigência de exame criminológico sem fundamentação idônea para a progressão de regime de menor contenção.
Entenda o caso
Consta nos autos que o paciente teve o seu pedido de progressão ao regime prisional semiaberto indeferido pelo Juízo da Vara das Execuções Criminais, que entendeu ser o caso de realização de exame criminológico prévio. Impetrado habeas corpus perante o Tribunal local, o desembargador relator indeferiu o pedido liminar.
Por sua vez, a defesa alega que deve ser deferida ao paciente a progressão ao regime semiaberto ante o preenchimento dos requisitos objetivo e subjetivo.
O paciente está sendo processado pela suposta prática dos crimes de importunação sexual e estupro de vulnerável, insculpidos, respectivamente, nos arts. 215-A e 217-A do Código Penal, tendo sido condenado em primeira instância à pena total de 9 anos de reclusão, em regime inicial fechado e, no momento, aguarda o julgamento do recurso de apelação.
A defesa argumenta ainda que o Juízo condicionou o pedido do reeducando de progressão ao regime semiaberto à realização prévia do exame criminológico, mesmo tendo ele cumprido o requisito objetivo, a saber, o cumprimento de 40% da pena.
Assim, conforme a defesa, tal decisão se deu unicamente com lastro na gravidade em abstrato de crimes sexuais e no lapso de pena que falta ser cumprida (5 anos e 8 meses), o que foi repisado pela autoridade coatora. Assim, entendeu-se que a autoridade coatora não motivou concretamente as suas razões de convencimento, pois deixou de fazer referência às circunstâncias objetivas do cumprimento de pena do paciente, que não podem ser confundidas com a natureza do crime cometido ou com a suposta periculosidade do condenado.
Da Fundamentação
Com a nova redação dada ao art. 112 da Lei n. 7.210/1984, pela Lei n. 10.792/2003, suprimiu-se a realização de exame criminológico como expediente obrigatório, mantendo-se apenas como requisitos legais o cumprimento de determinada fração da pena aplicada e o bom comportamento carcerário, a ser comprovado pelo diretor do estabelecimento.
Segundo esse entendimento, o Magistrado de primeiro grau, ou mesmo o Tribunal, diante das circunstâncias do caso concreto, pode determinar a realização da referida prova técnica para a formação de seu convencimento.
Contudo, a despeito de o exame não ser requisito obrigatório para a progressão do regime prisional, em hipóteses excepcionais os Tribunais Superiores vêm admitindo a sua realização para a aferição do mérito do apenado.
O entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, em sua Súmula n. 439, é que se admite o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada. Nesse sentido, a defesa pontuou que o paciente está sofrendo constrangimento ilegal porque o fundamento apresentado pelo Juízo de Piso constitui evidente afronta ao entendimento do STJ. Alega que a gravidade em abstrato dos crimes não é motivo apto a indeferir o pleito de progressão e exigir o exame criminológico, notadamente porque há nos autos certidão de bom comportamento carcerário, além de já ter havido o cumprimento, no regime fechado, de mais de 40% da pena imposta.
A defesa trouxe à baila a ausência de necessidade de exame criminológico, haja vista que deve ser considerado suficiente para a progressão de regime o cumprimento do requisito objetivo temporal e o bom comportamento, atestado pelo diretor do estabelecimento prisional, não havendo, portanto, motivos para o impedimento da progressão para o regime semiaberto.
A invocação da natureza ou gravidade do crime não são fundamentos idôneos para justificar a realização de exame criminológico para a progressão de regime, levando em consideração que somente seria possível em decisão individualizada, não abstrata, quando consideradas as circunstâncias concretas do cumprimento da pena.
Pediu-se, portanto, o afastamento da incidência da Súmula n.º 691 do Supremo Tribunal Federal, que conforme jurisprudência da Corte permite a superação quando constatada a deficiente fundamentação do ato atacado, verificada no caso concreto a absoluta ausência a absoluta ausência de motivação. Solicitou-se, ainda, a concessão da liminar, a fim de anular a decisão que determinou a realização do exame criminológico, apreciando-se o pedido de progressão de regime independentemente de perícia e, por fim, a concessão definitiva da ordem de habeas corpus para que seja concedido o regime semiaberto ao paciente, confirmando-se a liminar.
Da Decisão
Não havendo circunstância que demonstre, efetivamente, a necessidade de realização de exame criminológico, deve ser reconhecida a ilegalidade da sua exigência. Pelos motivos retromencionados foi concedida ordem para determinar que o Juízo da execução aprecie o pedido de progressão de regime, dispensada a realização de exame criminológico, ressalvada a possibilidade da existência de motivo superveniente que justifique a realização da perícia.
PROCESSO RELACIONADO: HABEAS CORPUS Nº 844841 – SP (2023/0281523-6)
