STJ: A totalidade da pena cumprida em situação degradante deve ser computada em dobro
Por: Gislaine Martins Leite.
A defesa do requerente impetrou habeas corpus (HC) perante o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) reivindicando que a totalidade da pena pelo paciente, cumprida entre o período de 09 de julho de 2017 a 24 de maio de 2019, deveria ser computada em dobro, por ter sido executada em situação degradante no Instituto Penal de Sá Carvalho (IPSC). A alegação pautou-se na resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que impôs ao Brasil medidas para a proteção da vida e integridade pessoal daqueles que cumprem pena no referido Instituto Penitenciário.
Diante da argumentação apresentada pela defesa, o TJRJ apreciou o HC impetrado pela defesa do paciente, mas a decisão apresentada denegou o pedido.
O TJRJ reconheceu o direito do cômputo em dobro de pena degradante, porém, como a CIDH foi omissa em relação ao início do prazo para sua aplicação, o Tribunal utilizou as regras da legislação interna, sustentando que a efetividade de uma decisão se dá a partir da notificação formal. Em vista disso, foi reconhecido que o cômputo em dobro somente se aplicaria ao período posterior à notificação da CIDH, contrariando a defesa que reivindicava o reconhecimento do cálculo desde o início do cumprimento da pena. No entanto, irresignada com a decisão do TJRJ, coube à defesa interpor Recurso em Habeas Corpus perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
DA DECISÃO E DE SEUS FUNDAMENTOS
Levando em consideração que o Brasil aderiu à Convenção Americana de Direitos Humanos em 1992, e, em 2002, o Decreto n° 4.463 da Presidência da República determinou a sujeição obrigatória do país à competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, é inegável que as resoluções da CIDH tenham efeito imediato e eficácia vinculante e que devam, conforme o Art. 103-A da Constituição Federal brasileira de 1988, ser sempre reconhecidas pelo sistema jurídico do país.
Em razão do cumprimento da pena em situação degradante, a CIDH considerou aplicar cômputo em dobro ao período de privação da liberdade aos apenados do IPPSC, ressalvados aqueles condenados por crimes contra a vida, contra a integridade física ou de natureza sexual, posto que a redução deve ser ponderada pela gravidade dos delitos e por um juízo de probabilidade do apenado, com o término da condenação de prisão antecipado, de não voltar a delinquir.
A CIDH entendeu que a privação da liberdade, quando realizada em situação degradante, tem efeitos desproporcionais em relação à lesão criminosa, visto que impõe ao preso dor e aflição maiores do que aquelas inerentes à pena determinada em lei. Destarte, cumprir pena em situação degradante exprime efeitos antijurídicos contrários à dignidade humana e o cômputo em dobro enseja uma compensação à violação sofrida.
Com a apresentação deste recurso perante o STJ, nota-se que a controvérsia não recaiu sobre o cômputo em dobro da pena – pacífica em razão da decisão da CIDH – e sim na correção sobre o momento a partir do qual deva ser aplicada. Enquanto o juízo de Execução Penal e o TJRJ entendem que o cômputo se aplicaria somente desde a notificação, o STJ pautou-se pelo entendimento de não ser possível inferir que a situação degradante – que justifica a contagem em dobro – apenas ocorrera após a oficialização da notificação. Dessa forma, o reconhecimento do cômputo em dobro deve contemplar todo o período de cumprimento da pena sob condições que violam a dignidade da pessoa humana.
O STJ fundamentou seu entendimento destacando que a escolha entre as duas posições (contagem em dobro desde a notificação ou desde o início do cumprimento de pena) deve levar em consideração o que é mais favorável ao condenado, uma vez que o princípio hermenêutico pro personae enunciado pela Convenção Americana de Direitos Humanos assegura a eleição da interpretação mais favorável em relação à proteção dos direitos humanos em benefício daqueles que vivenciam as violações.
Diante disso, o STJ reconheceu que o cômputo em dobro deve ser aplicado sobre todo o período em que o apenado cumpriu pena em situação degradante no Instituto Penal de Sá Carvalho.
PROCESSO RELACIONADO: RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 136961 – RJ (2020/0284469-3)
IMAGEM: Bernardo Wolf – Creative Commons (CC BY 2.0).
