STJ: Configuração de danos patrimoniais no clipping de notícias
Por: Raul Gimenes
O clipping de notícias ou, em português, clipagem se trata de uma sondagem, organização e análise contínua sobre determinado assunto, feita em meios de veiculação de notícias, com o fim de obter um feedback ou fortalecer determinada visão sobre um tema ou empresa. Essa técnica é utilizada principalmente por empresas para enaltecer a imagem da sua marca utilizando-se de matérias jornalísticas a seu favor e determinar os pontos fortes e fracos dos seus produtos através da repercussão na mídia.
No Recurso Especial 2.008.122-SP, da Relatora, Ministra Nancy Andrighi, é julgado se há a configuração de quebra dos direitos autorais em casos em que esses recortes são feitos sem autorização ou remuneração de quem o redigiu e se é cabível indenização, o que nos remete para a Legislação de Direitos Autorais, lei n° 9.610 de 1998 e da Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas, de 9 de setembro de 1886.
A Legislação de Direitos Autorais (LDA), estabelecida em seu artigo 46, inciso I, alínea “a”, enumera as situações que não configuram violação aos direitos autorais. Entre estas situações, não será considerada violação aos direitos autorais a reprodução na imprensa de notícias ou de artigos informativos, desde que seja feita a devida menção ao nome do editor ou da publicação de onde foram transcritos.
Logo, observamos que a reprodução da notícia ou artigo informativo não constitui por si só uma ofensa aos direitos de quem o publicou, desde que seja feita a devida menção; entretanto, no caso de clipping essa atividade possui fins lucrativos diretos ou indiretos, gerando um conflito direto com os artigos 28, 29 e 36 da LDA. Como como exemplo há o artigo 36 da referida lei, onde está escrito que “O direito de utilização econômica dos escritos publicados pela imprensa, diária ou periódica, com exceção dos assinados ou que apresentem sinal de reserva, pertence ao editor, salvo convenção em contrário.” O fato das matérias jornalísticas, obras intelectuais protegidas pela Constituição Federal, e outros conteúdos midiáticos serem apropriadas por terceiros visando vantagem pecuniária viola o direito exclusivo do editor da utilização econômica dos escritos publicados.
Convém destacar também o inciso VIII, do artigo 46 da LDA, que autoriza a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza. colaborando com a ideia de que copiar pequenos trechos de outras obras é permitido. Mas o próprio artigo faz a ressalva de que não deve prejudicar a exploração e nem os devidos interesses legítimos dos autores.
A prática da clipagem, contudo, implica em danos aos detentores dos direitos autorais; uma vez que suas matérias sejam utilizadas em clipagens, acaba por reduzir o interesse do leitor em acessar a matéria na integra, uma vez já tenha sido lido o “resumo” haverá menos interesse em obter o conteúdo completo, o que resulta em menos ganhos com vendas e visualização do conteúdo original do autor. Assim, este gera prejuízo ao autor que deixa de lucrar com divulgação, dano comum de ocorrer com revistas e jornais, físicos ou virtuais. Tendo isso em vista, é certo afirmar que o clipping não encontra amparo no art. 46, inciso I, “a” da LDA por se tratar de uma atividade que gera lucro ao criador da clipagem em detrimento do autor do texto original, gerando uma grave lesão ao direito do autor de usufruir de sua
realização intelectual.
A Convenção de Berna também traz proteção ao uso de citações e artigos de jornais e coleções periódicas, conforme podemos ver que são permitidas as citações tiradas de obras já tornadas acessíveis ao público, desde que conforme os bons usos e na medida justificada pela finalidade a ser atendida com a citação.
Entretanto, à luz do item 9.2 da referida convenção é vedada a reprodução das obras referidas em casos especiais quando afete a exploração normal da obra ou cause prejuízo injustificado aos interesses legítimos do autor. No que diz respeito ao item 10.1 da Convenção,a ministra Nancy Andrighi, em seu voto, elucida o motivo deste artigo não abranger os casos de clipping por não serem casos em que as reproduções de outros textos sejam meras citações para enriquecer o texto ou completá-lo, mas sim como insumo principal do produto comercializado. Em verdade a clipagem é em regra composta apenas de citações sendo o produto um conjunto de recortes de diferentes autores.
Assim, resta-nos falar sobre a possibilidade de indenização moral e material da violação de direitos autorais na prática do serviço de clipagem feita sem autorização dos devidos editores e autores de textos para vinculação. O julgado no Recurso Especial 2.008.122-SP nos mostra que os autores têm o direito de solicitar danos morais e materiais quando suas obras são usadas sem autorização e com fins econômicos, cabendo a indenização material não somente pelo que perderam, mas também pelo que deixaram de ganhar, conforme consta no art. 402 do Código Civil de 2002.
No caso em questão, carece a recorrente de legitimidade para pleitear os danos de natureza moral, pois nos termos da regra expressa no art. 49, parágrafo único da LDA, os danos morais não se configuram quando há transmissão dos direitos autorais para terceiros. Dessa forma, uma vez que outra pessoa jurídica ou física adquire os direitos sobre uma obra, não há a possibilidade de se pleitear danos morais.
BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm. Acesso em 18/10/2023.
BRASIL. Decreto no 75.699, de 6 de maio de 1975. Promulga a Convenção de Berna para a
Proteção das Obras Literárias e Artísticas, de 9 de setembro de 1886, revista em Paris, a 24 de
julho de 1971. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1970-
1979/d75699.htm. Acesso em: 20/10/2023.
STJ. REsp 2008122 / SP. Relatora: Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma. Julgado em:
22/08/2023. PROCESSO ELETRONICO DJe 28/08/2023. Disponível em:
https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=%27202201775260%27.REG. Acesso
em: 17/10/2023.