STJ: É lícita a divulgação de paródia sem que haja a indicação do autor da obra originária.

Postado por: Tiago Andreotti e Silva

Elaborado pela acadêmica Márjory Amanda da Silva Bezerra

 

Em decisão de fevereiro de 2022, por unanimidade, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça julgou improcedente o pleito de indenização por danos morais em virtude de violação de direitos autorais ao requerente Fagner de Sousa. O requerente teve uma música de sua autoria parodiada por programa televisivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão e exigia que seu nome fosse citado como autor da música original.

Quando se estuda em Língua Portuguesa sobre as características de uma paródia como gênero textual, é nítida a percepção de que a partir de algo preexistente temos o surgimento de uma nova obra, configurando intertextualidade entre ambas. A paródia traz uma nova perspectiva sobre algum assunto, não necessariamente cômico, mas de teor político, crítico ou irônico: e é nesse ponto que chegamos ao ponto gerador de discussão polêmica do que fora pleiteado pelo requerente.

Pautada primeiramente no que preconiza o texto constitucional em seu art 5º, incisos IV e IX, a Lei 9.610/98 (lei que consolida e rege os direitos autorais), em seu art. 47, estabelece que “São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito”. Em momento algum a referida lei aponta a obrigatoriedade de indicação do autor da obra originária, conforme elucida a relatora Nacy Andrighi: “De tudo o que foi exposto até aqui, portanto, pode-se constatar que, em se tratando de paródia, a ausência de divulgação do nome do autor da obra originária – questão central do presente recurso especial – não figura como circunstância apta a ensejar a ilicitude de seu uso (nem mesmo quando os requisitos exigidos pelo art. 47 são interpretados ampliativamente). Não há, de fato, na Lei de Direitos Autorais, qualquer dispositivo que imponha, quando do uso da paródia, o anúncio ou a indicação do nome do autor da obra originária.”

Em 1997, o extinto programa “Concurso de Paródias” do SBT era apresentado por Moacyr Franco com intuito de entreter a população e comemorar o retorno do apresentador ao meio televisivo. A cada programa,

compositores de diversos estados brasileiros poderiam apresentar novas versões de canções conhecidas e, através de júri convidado que procedia com a análise das letras, a melhor paródia era premiada com valores em espécie. O programa foi extinto, no entanto isso não ocorreu por qualquer pedido de danos morais por parte de artistas já consagrados que não possuíam seus nomes citados como compositores das canções originais. Certos temas e letras que na década de 80 e 90 não soavam ofensivos, hoje até poderiam soar. De acordo com Elias Thomé Saliba, historiador titular da USP, idealizador de diversas pesquisas referentes à história cultural humorística no Brasil e sua relação com as transformações sociais, incluindo o livro “Raízes do Riso” publicado em 2002, no qual elucida: “O riso funcionava, (…) como um liberador de emoções reprimidas. O riso compensava, em seus efeitos, o dispêndio contínuo de energia exigido para manter as proibições que a sociedade impõe e os indivíduos internalizam” (2002, p. 22). Reforçando a tese, ainda para o historiador Saliba, (2002, p. 27) “A atitude humorística é desmistificadora por excelência (…) o humorista (…) procura apreender todos os lados da realidade, exercitando ao máximo, e levando ao limite, a sua percepção e o seu sentimento do contrário”.¹ Sendo assim, é lógico afirmar que o humor reflete a percepção dos indivíduos em relação à sociedade e por tal razão, o que outrora causaria risos, na contemporaneidade pode não ter o mesmo efeito.

Retornando ao finado programa “Concurso de Paródias”, o mesmo foi extinto apenas pela repaginação da programação da emissora, o que denota que desde sempre se subentende que a partir do instante em que a paródia é construída, surge algo novo e que pertence a quem depositou sua energia para sua criação. É cabível, por exemplo, dizer que o compositor da paródia, a depender do tema discutido necessita desenvolver habilidade criativa e intelectual para a concepção da nova obra. Por mais que haja intertextualidade e que a melodia se mantenha, a letra – que perfaz a essência – é algo totalmente distinto do texto original. Não há que se falar em plágio e muito menos em obrigatoriedade de nomeação do autor original. Na esfera jurídica, a legislação não impetra critérios específicos para definir o plágio: em sua subjetividade, o tema é tratado na esfera civil ou enquadrado como crime contra o direito autoral, conforme descrito no Art 184 do Código penal, alterado pela Lei 10.695/03.

Retrocedendo um pouco mais, imagine, caro leitor, um embate jurídico entre Gonçalves Dias, autor do poema “Canção do Exílio” e todos os outros autores que parodiaram ou parafrasearam o poema original. É certo que por questões de lapso temporal, tal discussão entre autores seria inviável, no entanto cabe ressaltar que não estamos tratando de novas obras de menor importância: apenas para a “Canção do Exílio”, é possível citar novas produções de nada mais, nada menos do que Oswald Andrade, Murillo Mendes, Carlos Drummond de Andrade, Casimiro de Abreu e Ferreira Gullar. São pelo menos quinze versões com o intuito de exprimir opiniões totalmente diferentes.

Por fim, a improcedência do que foi pleiteado pelo requerente é em certa medida plausível já que, se pudermos fazer uma comparação com a contemporaneidade e as consequências que uma possível procedência do pleito traria, pode-se pensar que os “memes” acabam despontando como representantes das paródias no meio virtual – algo totalmente difícil de controlar

– uma vez que através dos memes existe a “imitação” da realidade ou sua inversão, seja ela cômica ou crítica, mas sempre trazendo uma nova versão do produto original.

 

Processo relacionado: REsp 1967264/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/02/2022, DJe 18/02/2022