STJ: em decisão unânime, não é vedado à sociedade empresária de factoring celebrar contrato de mútuo feneratício.

Postado por: Tiago Andreotti e Silva

POR: Márjory Amanda da Silva Bezerra

O lead da notícia pode assustar os mais leigos, no entanto se torna mais simples ao destrincharmos do que se trata o conteúdo da informação. Primeiramente é importante relembrar que o mútuo, previsto no Art. 586 do Código Civil, consiste no empréstimo de coisa fungível e consumível ao mutuário, que deverá restituir à mutuante coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade. Quando acrescido do termo “feneratício”, o contrato consiste no empréstimo oneroso de dinheiro, o que aduz um grau de permissibilidade quanto a cobrança de juros.

Apesar de aos olhos do consumidor “empírico” ser vista como tal, uma sociedade empresária do tipo factoring não é necessariamente uma instituição financeira: é uma atividade empresarial não bancária, que em grande medida consiste em oferecer aos empresários faturizados, fonte de recursos, mediante a negociação de créditos futuros, além de possível prestação de serviço. Dessa maneira, logicamente é a empresa de factoring que assume o ônus do inadimplemento da obrigação.

A grande crítica meramente instintiva a esse tipo de contrato, consiste no fato de que a permissão de sua onerosidade culmina na aplicação desenfreada de juros pelas empresas mutuantes, que inobstante a regulamentação, não possuem uma limitação legal expressa de suas taxas, de modo que, para uma futura revisão contratual é imprescindível comprovar a abusividade dos juros em relação a taxa média de mercado.

Com o objetivo de incitar a nulidade de execução extrajudicial de contrato celebrado com sociedade empresária factoring, uma empresa de alimentos do Rio Grande do Sul ajuizou recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça sob o argumento de que, conforme os arts. 17 e 18 da Lei nº 4.595/1964, uma factoring não poderia celebrar contrato de mútuo, o que seria atividade exclusiva de instituições financeiras. Ocorre que, a 3ª Turma, ao analisar o contrato celebrado pelas partes, caracterizou o contrato como sendo de mútuo feneratício – consignando que houve o empréstimo de dinheiro por parte da empresa recorrida.

Embasada pela consequência da classificação do contrato em questão, a relatora Nancy Andrighi, esclareceu que o dispositivo utilizado para fomentar o argumento delimita a definição do que é uma instituição financeira, no entanto, não veda a prática de mútuo feneratício entre particulares. É importante salientar que mesmo inexistindo no Código Civil explícita represália  no tocante ao mútuo feneratício entre particulares, a crítica citada anteriormente cai por terra por força do Art 591 do Código Civil: não há que se falar em “cobrança de juros desenfreados”, e ainda que a abusividade fosse configurada, a jurisprudência da Corte entende que deve apenas haver a redução dos juros estipulados para o limite legal, mantendo portanto, o negócio jurídico. Dessa maneira, entende-se que a factoring pode cobrar juros acima de 1% , desde que não se dê por violada a média de mercado.

Com resultado da votação unânime, a 3ª Turma negou provimento ao pedido pleiteado pela empresa de alimentos, não sendo declarada a nulidade ou invalidade do negócio jurídico: a cobrança de juros na taxa permitida em lei não configura abusividade, crime de usura ou sequer agiotagem, desde que seja respeitada a taxa média do mercado.

PROCESSO RELACIONADO: REsp 1.987.016 / RS

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