STJ: Guarda Municipal não tem atribuições típicas de polícia
Por: André Luciano Vicente da Silva
Relatório do caso
Trata-se de habeas corpus impetrado buscando a liberdade de indivíduo detido em flagrante por posse de substância entorpecente, em ação realizada por agentes da Guarda Municipal, em que foi condenado à pena de 5 anos e 10 meses de reclusão por ter cometido o crime de tráfico de entorpecentes previsto no Art. 33 da lei antidrogas nº 11343/06.
No caso em questão, o fato se deu quando guardas municipais realizavam patrulhamento habitual e visualizaram o indivíduo em atitude suspeita e, após abordagem e revista pessoal, constatou-se que o mesmo possuía uma certa quantidade de cocaína e de dinheiro em seus bolsos e vestes íntimas, respectivamente, e, consequentemente foi realizada a detenção do mesmo com posterior instauração de processo que resultou na pena acima destacada.
A defesa do acusado baseou o pedido de liberdade individual no fato de que a busca que levou à sua prisão e os consequentes desdobramentos da mesma são ilegais do ponto de vista de que os agentes da Guarda agiram fora de sua função de atuação e não tinham fundada suspeita para realizar a revista.
Da atuação das Guardas Municipais
As Guardas Municipais são regulamentas pela lei 13022/14 e de forma proposital não estão inclusas no Art. 144 da Constituição Federal, pois apesar de realizarem atividades típicas de segurança pública, elas não são consideradas polícias municipais.
Os incisos II e III do Art. 5º da lei 13022/14 dispõe de forma clara e objetiva a área de atuação das Guardas Municipais, conforme transcrito abaixo:
Art. 5º São competências específicas das guardas municipais, respeitadas as competências dos órgãos federais e estaduais:
[…]II – prevenir e inibir, pela presença e vigilância, bem como coibir, infrações penais ou administrativas e atos infracionais que atentem contra os bens, serviços e instalações municipais;
III – atuar, preventiva e permanentemente, no território do Município, para a proteção sistêmica da população que utiliza os bens, serviços e instalações municipais.
Entre os deveres e obrigações dos órgãos regidos pelo Art. 144 da Constituição está o grande diferencial para as Guardas Municipais, que é a submissão ao controle correcional externo realizado pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário. Há ainda de se destacar que as polícias militares e civis, mencionadas no Art. 144 da CF, são de responsabilidade de gerenciamento dos respectivos governos estaduais e dessa forma possuem um senso de unidade dentro de suas unidades federativas, coisa que não ocorre com as Guardas Municipais. Estas, como o próprio nome já diz, são órgãos que se subordinam cada qual à sua respectiva prefeitura e, caso cada município brasileiro possuísse uma, e cada uma dessas tivesse seus próprios poderes de policiamento e investigação, haveria uma confusão gigantesca para se garantir o seu funcionamento correto, ainda mais sem o amparo do Ministério Público.
Em clara consequência do aumento no número de municípios instituindo Guardas para realizarem suas ações dentro de seus territórios, o crescente desvirtuamento delas, incluindo-se que algumas passaram a chamá-las de “Polícia Municipal”, e ainda, as equipando com armamento de capacidade bélica cada vez maior, passou-se a acompanhar um crescente aumento da prática de abusos realizados por esses agentes municipais.
Da diferenciação entre Guardas Municipais e órgãos policiais
Apesar de não serem incluídas no Art. 144 da CF, nada afasta o fato de que as Guardas Municipais exercem atividade voltada para a segurança pública da sociedade, entretanto a própria CF também não as fazem ter a mesma amplitude de atuação das polícias. Nesse sentido, cada qual com suas respectivas peculiaridades, mas que se voltam para o mesmo sentido do disposto acima, há diversos casos na jurisprudência para reforçar esta tese e que são citados durante a ementa do HC aqui disposto, em que se destacam, por exemplo, o Recurso Extraordinário 846854/SP, a Ação Direta de Constitucionalidade nº 38/DF e também o RE nº 1281744/SP. Há de se salientar, nesse último, que o STF diz que as Guardas Municipais não estão autorizadas, salvo em caso de flagrante, a “realizar diligências investigativas ou diligências prévias voltadas à apuração de crimes”.
Assim, o posicionamento geral das cortes superiores é o de que as Guardas Municipais são, sim, órgãos de segurança pública; portanto, para a melhor realização de suas atividades possuem certos poderes acima do que um cidadão comum possui, mas tampouco dispõem do poder que é exercido pelos órgãos de polícia. Para efeitos de maior comparação, destaca-se que os bombeiros militares e os policiais penais estão inclusos no Art. 144 da CF, mas nem por isso possuem poderes de patrulhamento ostensivo, investigação policial e revista pessoal em via pública.
Dessa forma, há de se falar que as Guardas Municipais possuem “poder de polícia” para realizarem, em situações extraordinárias e dentro de suas funções, ações que visem a manutenção da paz pública, como por exemplo a revista de indivíduo que esteja pulando um muro de uma escola pública. Entretanto, estas não possuem o que se chama de “poder policial”, que é o realizado pelos outros órgãos de segurança pública de forma a fazer valer a autoridade estatal mesmo que por uso direto de força física.
Portanto, no caso em questão, ficou decidido que a ação da Guarda Municipal ultrapassou os limites que lhe são inerentes, já que não havia a certeza de que o indivíduo realizava ação que colocasse em risco o patrimônio público e, sendo assim, a revista pessoal que lhe foi imposta não tinha lastro legal e, consequentemente, violava processualmente a forma com que as provas foram colhidas. Ficou definido que o réu seria absolvido com base no Art. 386, II do Código de Processo Penal, por não haver prova da existência do fato.
