STJ: Inquéritos policiais e ações penais em aberto não são fundamentos adequados para afastar a incidência da forma privilegiada de tráfico de drogas.

Postado por: Francisco Ilídio Ferreira Rocha

Por: Cláudio Pereira Ramos

RELATÓRIO DO CASO

O caso em pauta se trata de situação na qual o réu foi condenado, em primeiro grau, a uma pena de 5 (cinco) anos de reclusão, em regime inicial fechado e multa pelo crime de tráfico de entorpecentes. Irresignado com a decisão, interpôs recurso de apelação criminal perante o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

O TJSP manteve a condenação exarada em sede de primeiro grau, indeferindo o pedido de aplicação da causa de diminuição de pena nos termos do art. 33, §4º, da Lei n. 11.343/2006. O Juízo orientou sua decisão pelo entendimento de que, embora o réu fosse primário e de bons antecedentes, o fato de estar respondendo por outros processos criminais por tráfico de drogas permitiria subtender que se dedicava a atividades criminosas e integrava organização criminosa.

Essa decisão foi tomada por analogia a outro caso anterior, no qual o mesmo Tribunal entendeu ser possível a utilização de inquéritos policiais e/ou ações penais em curso para formação da convicção de que o réu se dedica a atividades criminosas, de modo a afastar o benefício legal previsto no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06 (tráfico privilegiado).

Assim, entendendo que essa posição consistiria em um atentado contra a presunção de inocência garantida constitucionalmente, o condenado impetrou pedido de habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ) por intermédio da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.  Alegou que estaria sofrendo coação ilegal em decorrência de tal decisão.

DA DECISÃO E DE SEUS FUNDAMENTOS

Inicialmente, o ministro-relator indicou que o habeas corpus não é a via adequada para proceder ao reexame do caso e analisar o pedido de desclassificação do delito para o crime de posse para consumo próprio (art. 28, Lei n. 11.343/2006). Além disso, destacou que a decisão combatida se encontra em harmonia com o entendimento consolidado do STJ de que seria possível, considerando inúmeros inquéritos policiais e processos criminais em aberto, afastar a aplicação da causa de diminuição do crime de tráfico de drogas.

Entretanto, foi salientado que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem decido de forma distinta em relação a essa situação apresentada. A Suprema Corte reiteradamente enunciou entendimento de que inquéritos policiais e/ou ações penais em curso não constituem fundamento adequado para afastar a incidência da forma privilegiada prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06, considerando o princípio constitucional da presunção de não culpabilidade.

Neste sentido destacou-se o seguinte precedente do STF:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. FIXAÇÃO DA PENA. TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO § 4º DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006. INQUÉRITOS E PROCESSOS EM CURSO: FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA PARA AFASTAR A INCIDÊNCIA DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (AgRg no HC n. 170.392/SP, Rel. Ministra Cármen Lúcia, DJe 15/6/2020).

Diante de tal constatação e destacando a importância de “se observarem os precedentes e de se adotar interpretação uniforme das leis – até para garantir uma ordem jurídica mais coerente, mais estável e com maior previsibilidade quanto à interpretação adotada pelo Poder Judiciário –”, o ministro relator posicionou-se de acordo com o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal. Nestes termos reconheceu-se que a existência de inquéritos policiais ou de ações penais, sem trânsito em julgado, não pode ser considerada como maus antecedentes para fins de aplicação da pena, ficando assim em favor do paciente.

O ministro-relator ainda pontou que outro fator levado em consideração pelo relator foi a quantidade de drogas apreendidas em poder do paciente (3,7g de cocaína), a qual não se mostra uma quantidade elevada a ponto de concluir que ele se dedica a atividades criminosas.

Com lastro nos fundamentos retromencionados, o ministro-relator indicou a necessidade de uma nova dosimetria da pena, bem como a modificação do regime de cumprimento e substituição da pena.

Nestes termos, a decisão exarada pelo STJ, por meio do ministro-relator, foi no sentido de conceder ordem para: (a) aplicar causa especial de diminuição de pena na razão 2/3 (dois terços) conforme previsão disposta no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 e, por conseguinte, (b) reduzir a pena aplicada ao paciente para 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão e pagamento de 166 dias-multa; (c)  fixar o regime aberto de cumprimento de pena; e (d) determinar a substituição da reprimenda por duas restritivas de direitos, a serem escolhidas pelo Juízo das Execuções Criminais.

PROCESSO RELACIONADO: HABEAS CORPUS Nº 669511 – SP (2021/0161887-8)