STJ: Nulidade e cadeia de custódia
Por: PABLO NOGUEIRA DA SILVA
Analisa-se, neste artigo, o Recurso em Habeas Corpus n.º 205441 – GO (2024/0375407-5).
Contexto fático: a corré busca o reconhecimento da nulidade das provas obtidas na fase de busca e apreensão, sob o argumento de que estas não respeitaram o devido processo legal referente à cadeia de custódia, tampouco a ordem legal na fase instrutória. Dessa forma, critica-se o procedimento executado pelos servidores públicos, os quais devem observar os critérios estabelecidos pela legislação processual penal, a fim de garantir o devido processo legal.
O trâmite legal para que um conteúdo probatório seja admitido como lícito é complexo. Por sua extensão e caráter minucioso, cabe aqui a utilização de uma expressão popular adequada: “pisando em casca de ovos”. Assim, a Administração Pública frequentemente encontra dificuldades para evidenciar os fatos com base em elementos probatórios derivados de práticas ilícitas.
Apontam-se possíveis causas para esse cenário:
a) por incompetência ou dolo dos agentes públicos;
b) por ausência de recursos materiais e humanos adequados, num contexto de alta demanda pela preservação da matéria probatória localizada.
Faz-se necessário o respeito aos princípios do in dubio pro reo e da presunção de inocência. Com base nesses princípios, o direito penal brasileiro se orienta pela máxima de que é preferível absolver um culpado a condenar um inocente. Parte-se da presunção de que, se uma prova não passou por um processo de aquisição adequadamente conduzido, sua autenticidade e confiabilidade podem ser facilmente comprometidas, inclusive sendo passível de falsificação.
A cadeia de custódia é conceituada no artigo 158-A do Código de Processo Penal (CPP) como:
“o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte”.
Seus incisos detalham as ações que devem ser realizadas pelos agentes encarregados do manuseio da prova, para que esta não perca suas propriedades e mantenha sua capacidade probatória. Caso não seja observado o procedimento descrito em lei, a prova perde sua validade e utilidade no processo penal.
Apesar de ser verdade que a quebra da cadeia de custódia compromete a validade da prova, não há previsão legal expressa determinando sua inadmissibilidade automática. Trata-se, portanto, de construção jurisprudencial, uma vez que o legislador não especificou os efeitos jurídicos do descumprimento dos procedimentos relativos à cadeia de custódia.
No caso em análise, a acusação baseia-se em conversa extraída de um aplicativo de mensagens, mantida entre a corré e a ré, localizada em um aparelho celular apreendido na residência da primeira, durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão.
No processamento da prova — ato previsto como uma das fases no artigo 158-B, inciso VIII, do CPP —, a perícia foi realizada por peritos do Centro de Inteligência do Ministério Público do Estado de Goiás (CI-MPGO), e não por peritos oficiais do Instituto de Criminalística, o que contraria o disposto no artigo 159 do CPP.
Além disso, o celular encontrava-se sem o lacre exigido pelo inciso V do artigo 158-B e sem a identificação do número IMEI do aparelho. Outro vício apontado diz respeito ao formato do arquivo da conversa, que estava em extensão .txt, formato esse totalmente editável, o que suscita dúvidas quanto à sua integridade e autenticidade, podendo inclusive ter sido alterado pelo próprio Estado. Tais irregularidades configuram violação à cadeia de custódia.
Além da quebra da cadeia de custódia, verificou-se alteração na ordem legalmente estabelecida para a fase de instrução processual. Nos termos do artigo 400 do CPP:
“Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem […], bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado”.
Ocorre que, no caso em tela, tal ordem não foi respeitada, uma vez que o interrogatório do réu se deu antes da oitiva das testemunhas.
Após impetração de habeas corpus perante o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, com pedido de nulidade do processo, e o indeferimento da ordem, a defesa recorreu ao Superior Tribunal de Justiça. Este decidiu não pela nulidade total do processo, mas sim pela nulidade das provas obtidas em desacordo com a cadeia de custódia — por não terem sido analisadas por peritos oficiais e por não estarem devidamente lacradas, conforme exigem os incisos V e VIII do artigo 158-B do CPP.
Determinou-se, assim, que o juízo de primeira instância analise quais provas derivam das provas contaminadas e quais são autônomas, para que o julgamento se fundamente apenas nas últimas, preservando-se, dessa forma, a regularidade do processo penal.
