STJ: O uso de palavra-chave por meio de link patrocinado que constitui o nome de outra empresa viola a proteção da propriedade industrial e configura meio fraudulento

Postado por: Francisco Ilídio Ferreira Rocha

Por: Flávio Dias

Trata-se de Recurso Especial ­­ Nº 2032932 – SP (2022/0325561) interposto por GOOGLE BRASIL INTERNET LTD,00A, com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal, impugnando acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que negou provimento ao referido recurso especial.

Entenda o caso:

A empresa ECOHOUSE DECOR COMÉRCIO E IMPORTAÇÃO DE UTENSÍLIOS DOMÉSTICOS LTDA. – EPP impetrou ação de obrigação de fazer contra as empresas ROGUSTEC INDÚSTRIA E COMÉRCIO EIRELI – EPP e GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA em virtude de, ao inserir seu nome empresarial na ferramenta de busca do Google, aparecer em evidência o anúncio de sua concorrente, a primeira ré, que adquiriu o link patrocinado, o que em seu entendimento configuraria ato ilícito. A requerente solicitou a condenação das rés  a se absterem de utilizar seu nome comercial, requereu o pagamento de indenização por danos emergentes, lucros cessantes e danos morais em montante não inferior a R$ 30.000,00 (trinta mil reais).  A ação foi julgada improcedente em primeiro grau, tendo a sentença sido reformada em grau de recurso.

Em sede de Recurso Especial, foi dada ênfase sobre a ferramenta do Google Adwords, que vem ganhando cada vez mais importância no cenário da economia e nas relações de consumo, pois ferramentas iguais a essas, conhecidas nominalmente como buscadores de internet ou motores de busca, são as principais portas de entrada para o mercado eletrônico. É nesse contexto que a recorrente desenvolveu a ferramenta denominada Google Adwords (atualmente denominada Google Ads), a qual possibilita aos agentes econômicos realizarem anúncios, interferindo na busca com resultados livres. Essa ferramenta permite aos contratantes escolher as palavras-chaves que gostariam que estivessem associadas a seus produtos – termos comuns ou mesmo marcas e nomes de concorrentes. Como existem diversos interessados na mesma palavra, é realizada uma espécie de leilão e, com base em um conjunto de critérios, que podem ser resumidos em um determinado índice de qualidade (IQ) e custo por clique (CPC), será determinado o anunciante cujo link aparecerá no topo da página de resultados de busca quando digitada a palavra-chave. Nesse contexto tem-se o objeto de análise do presente recurso, que é a legalidade do uso de marcas já registradas por empresas concorrentes em ferramenta de busca na internet.

A recorrente sustenta que o uso da ferramenta Adwords por parte dos consumidores permite a realização de buscas acerca de produtos e serviços, bem como informações acerca de sua qualidade, proporcionando uma variedade de opções e garantindo a liberdade de escolha.

Das fundamentações no recurso especial da recorrente.

A recorrente aponta a violação de alguns dispositivos da lei que regula os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial e sobre a proteção do consumidor,  que está amparada pelos Artigos 195 da Lei nº 9.279/1996 e 6º e 36 da Lei nº 8.078/1990, e ressalta que não houve a utilização da expressão “Ecohouse Decor” de forma fraudulenta para desviar clientes ou prejudicar a recorrida, não se podendo falar em concorrência desleal, sendo lícito o meio de publicidade empregado.

Cita o Artigo 19, caput, e § 1º, da Lei nº 12.965/2014 – e pondera que não é possível a imposição de uma ordem genérica de monitoramento de conteúdo da internet sem a indicação de URLs específicas. Alega que a proteção da liberdade de comunicação prevista na Constituição alcança as propagandas comerciais, de modo que não seria possível a emissão de ordens genéricas e inespecíficas de contenção na propagação de produtos e serviços lícitos. Nesse contexto, ressalta que o Marco Civil da Internet somente prevê a responsabilização dos provedores de aplicação no caso de descumprimento de ordem judicial, o que não ocorreu na hipótese dos autos.

Do voto do relator.

O senhor Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva abordou a proteção ao nome empresarial e a concorrência desleal ao tratar do tema referente à empresa “Ecohouse Decor”, que correspondia ao seu nome empresarial na internet e citou os artigos 16,17 e 18 do Código Civil para sustentar o direito ao nome, direito de personalidade quanto às pessoas física e jurídica e a não utilização de terceiros sem autorização prévia. Defendeu a proteção aos nomes empresariais e comerciais que  visam proteger o consumidor, evitando assim que se incorra em erro quanto à origem do produto ou serviço ofertado. A partir dessa premissa destacou que a busca por clientela é objetivo de todo empresário e que a licitude e a ilicitude estão na forma de como estes clientes são conquistados.

Nesse contexto apontou o constante crescimento do comércio eletrônico que fez surgir as ferramentas de marketing e publicidade cuja legalidade é duvidosa, pois são links patrocinados, ferramentas estas oferecidas pelos principais motores de busca do mercado que, mediante pagamento, permitem usar palavras-chave idênticas às marcas de suas concorrentes.

Em sua sustentação, o  relator cita as doutrinas de Maria Ferrão de Araújo e Guilherme Cunha Braguim para a melhor pacificação sobre o  tema: “o   concorrente, ao se valer do nome empresarial e/ou marca de outras empresas do segmento em que atua, não tem outro intuito senão de se aproveitar do destaque que seu oponente detém para a promoção de seus produtos ou serviços, sendo certo que esse tipo de conduta, além de enriquecimento ilícito, também se revela como concorrência parasitária.” RECURSO ESPECIAL Nº 2032932 – SP (2022/0325561-9).

Diante da iminente explanação em seu voto, concluiu que a contratação de links patrocinados a partir de determinado nome empresarial ou marca se configura como desvio ilícito de clientela, o que se traduz em ato de concorrência desleal, baseado no aproveitamento do prestígio e do reconhecimento do titular (parasitismo), conduta que se enquadra no disposto no artigo 195, III, da Lei nº 9.279/1996.

Destarte, quem se utiliza desse artifício pratica concorrência desleal, pois emprega meio fraudulento para desviar em proveito próprio ou alheio a clientela de outrem e ao mesmo tempo utiliza-se de nome comercial impróprio para obter vantagem desleal.

Da decisão da Terceira Turma do STJ.

Após o voto vista do Excelentíssimo Senhor Ministro Moura Ribeiro, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial à recorrente GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA, ficando obrigada a pagar os honorários sucumbenciais que foram fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, os quais devem ser majorados para 18% (dezoito por cento) em favor do advogado da parte recorrida, nos termos do art. 85, § 11, do Código de Processo Civil de 2015.

PROCESSO RELACIONADO: Recurso Especial ­­ Nº 2032932 – SP (2022/0325561)