STJ: Operadora de plano de saúde é condenada reincluir idoso curatelado pela irmã como beneficiário de plano de após exclusão do mesmo.
Elaborado pela acadêmica Márjory Amanda da Silva Bezerra
Em decisão unânime, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça assegurou o direito de idoso curatelado pela irmã de continuar figurando como beneficiário de plano de saúde pago pela mesma. O idoso curatelado pela irmã, funcionária da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, sofre de grave enfermidade mental e fora incluído como dependente no plano de saúde no ano de 2011. Ocorreu que, após sete anos da inclusão do beneficiário, a operadora pleiteou a exclusão do idoso do plano de saúde de autogestão.
É sabido que planos de saúde de autogestão possuem regulamentação no que concerne ao fato de quem pode ser abarcado como beneficiário, sendo permitido no caso em questão a contemplação apenas para cônjuge, companheiro, filho, enteado ou menor sob guarda. Sendo assim, é correto afirmar que a operadora, por força normativa do plano de saúde, não poderia ser privada da exclusão do beneficiário.
O parágrafo anterior pode soar desumano para quem por se tratar de pessoa idosa e portadora de deficiência, no entanto, como explana o relator Marco Buzzi: “Trata- se nos autos de plano de saúde de autogestão, gerido por associação sem fins lucrativos, custeado pelos próprios beneficiários e pela empresa patrocinadora, e estabelecido com a finalidade de prestação de serviços a grupo fechado. Diante de tais características, não se mostra adequada a pretensa interpretação ampliativa de previsão contratual que dispõe sobre quem poderá fruir do benefício, na medida em que tal providência acarretará desequilíbrio atuarial a ser suportado pelo próprio grupo”. Portanto, aufere-se que não só por força normativa do plano, mas sob a ótica da racionalidade, via de regra a inclusão de pessoas que não fazem jus ao benefício poderia acarretar prejuízos à operadora e por conseguinte, aos demais participantes do plano de saúde.
Ainda caminhando na perspectiva racional dos fatos: ora, uma vez permitida a inserção de pessoas que não foram consideradas no momento da gestão financeira do plano de saúde, a qualquer momento a desenfreada inclusão de tais pessoas após a procedência da decisão acarretaria em prejuízos que poderiam ser percebidos, tais como, falha na prestação dos serviços, reajuste no valor a ser pago pelos demais participantes, etc.
O fato é que a operadora, ao aceitar a inclusão do idoso em 2011 e apenas cogitar a exclusão sete anos após o ocorrido, acabou por autorizar a incidência do instituto surrectio, o qual permite aquisição de um direito pelo decurso do tempo, pela expectativa legitimamente despertada por ação ou comportamento. Além disso, em momento algum foi configurada má-fé por parte da titular do plano de saúde ao incluir o irmão. Pelo contrário, a boa-fé objetiva dos contratantes e as peculiaridades do caso há de ser considerada.
A displicência e omissão da operadora considerando um lapso temporal de tamanha magnitude não justificam a exclusão do beneficiário. Sete anos não são sete dias, e sim no mínimo um ínterim de mais de dois mil dias – tempo do qual o irmão curatelado usufruiu dos serviços por necessidade em decorrência da grave enfermidade mental e não por mera vaidade.
Se René Descartes, filósofo, criador do racionalismo cartesiano já citou que “O tempo diz o que a razão não pode dizer”, a situação na qual o curatelado estava inserido, por mais que contrariasse questões lógicas, divergisse da força normativa do plano de saúde e carregasse consigo infortúnios no que tange ao descumprimento de tais regras, já estava consolidada pelo lapso temporal transcorrido. Por fim, o idoso foi mantido como beneficiário, no entanto, a indenização pleiteada pela irmã no valor de R$ 20.000,00, ensejando danos morais, não foi acatada – sendo o pedido considerado parcialmente procedente.
Processo relacionado: REsp 1.899.396-DF, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 23/06/2022, DJe 01/07/2022
