STJ: Penhorabilidade do Bem de Família para Quitação de Dívida de Reforma Residencial

Postado por: Francisco Ilídio Ferreira Rocha

Por: Rafael André Cunha Gomes

No julgamento do Recurso Especial nº 2082860 – RS, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que o imóvel residencial, ainda que qualificado como bem de família, pode ser penhorado para garantir o pagamento de dívida decorrente de reforma realizada no próprio imóvel. Trata-se de um precedente importante para os operadores do direito e para os contratantes de serviços de reforma e construção, uma vez que reafirma as hipóteses de exceção à impenhorabilidade previstas na Lei nº 8.009/90.

O recurso foi interposto por Carmen Silveira de Oliveira, proprietária de um imóvel residencial que havia contratado Adriana Vitorio Pires e Lucinara Soledade Vieira Cantini para a execução de serviços de reforma e decoração em sua residência. Contudo, após a conclusão dos serviços, Carmen não honrou o pagamento devido, o que levou as prestadoras de serviço a ajuizarem uma ação de cobrança, com o intuito de obter a quitação do crédito correspondente.

Na fase de cumprimento de sentença, foi determinada a penhora do imóvel residencial da devedora, ao que Carmen alegou tratar-se de bem de família, o que impediria a constrição judicial com base na proteção conferida pela Lei nº 8.009/90.

O ponto fulcral do recurso consistia em definir se o imóvel, protegido pela impenhorabilidade conferida pela Lei nº 8.009/90, poderia ser penhorado para quitar dívida proveniente de contrato de prestação de serviços de reforma. A defesa da recorrente sustentava que a exceção prevista no art. 3º, II da referida lei deveria ser interpretada restritivamente, e que a contratação de serviços de reforma não se enquadraria no conceito de dívida destinada à construção ou aquisição do imóvel.

A Lei nº 8.009/90 estabelece a impenhorabilidade do bem de família, protegendo o imóvel residencial contra a maioria das dívidas. No entanto, o próprio art. 3º da norma traz exceções a essa regra. O inciso II prevê que o imóvel pode ser penhorado para saldar dívidas contraídas para a construção, aquisição ou reforma do próprio bem.

Essa exceção busca evitar que o devedor utilize a proteção legal do bem de família de forma abusiva, ou seja, para obter melhorias ou valorizações no imóvel sem oferecer a devida contrapartida aos credores. Essa norma impede que o proprietário se escude na impenhorabilidade para eximir-se da responsabilidade de quitar dívidas diretamente vinculadas ao imóvel, como aquelas decorrentes de reformas que aumentam seu valor ou sua funcionalidade.

A Terceira Turma, sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, entendeu que a dívida decorrente da prestação de serviços de reforma residencial se enquadra na exceção prevista no art. 3º, II, da Lei nº 8.009/90. No voto condutor, a ministra ressaltou que o escopo da norma é coibir o uso indevido da proteção do bem de família para evitar a cobrança de débitos contraídos com a finalidade de adquirir, construir ou reformar o imóvel.

Foi destacado que a própria exegese do artigo 3º, II, evidencia que a intenção do legislador foi assegurar que credores de contratos relacionados à melhoria do imóvel possam ver satisfeitos seus créditos por meio da penhora do bem, mesmo sendo este um bem de família. O tribunal entendeu que, ao contratar serviços de reforma, o proprietário assume uma dívida diretamente ligada ao aumento de valor e às condições de habitabilidade do imóvel, o que justifica a exceção à impenhorabilidade.

Além disso, a decisão também se fundamentou no art. 833, §1º, do Código de Processo Civil (CPC), que dispõe que a impenhorabilidade não é oponível à execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive aquela contraída para sua aquisição ou reforma. Esse dispositivo reforça a ideia de que, em contratos que envolvem melhorias no imóvel, a proteção da impenhorabilidade não pode ser utilizada como subterfúgio para inadimplência.

Assim, o STJ concluiu que a dívida decorrente da reforma do imóvel é abrangida pela exceção prevista na legislação e manteve a penhora do bem de família para garantir o pagamento da dívida.

A decisão proferida pelo STJ no Recurso Especial nº 2082860 – RS reafirma a relatividade da impenhorabilidade do bem de família em situações que envolvem dívidas vinculadas ao próprio imóvel. Esse entendimento tem impacto significativo tanto para credores quanto para devedores, pois reforça que a contratação de serviços de reforma, ampliação ou construção gera uma obrigação que, se inadimplida, pode resultar na penhora do bem, mesmo que este esteja sob a proteção da Lei nº 8.009/90.

Os contratantes de serviços de reforma devem estar cientes de que, ao assumirem esse tipo de dívida, estão vinculando o próprio imóvel à garantia de pagamento. Portanto, o inadimplemento poderá culminar na perda do bem, o que impõe a necessidade de maior cautela na gestão financeira e no planejamento das obras.

Portanto, a decisão do STJ no caso em análise confirma que, em hipóteses de dívidas contraídas para a reforma de imóvel residencial, o bem de família pode ser objeto de penhora, nos termos da exceção prevista no art. 3º, II, da Lei nº 8.009/90. Esse precedente reforça a necessidade de interpretação sistemática da lei, de forma a equilibrar a proteção ao direito à moradia com a necessidade de garantir a satisfação de créditos legítimos de terceiros.

Dessa forma, ao contrair dívidas para construção ou reforma do imóvel, é essencial que o devedor tenha plena consciência de suas obrigações, uma vez que a inadimplência pode acarretar a perda do próprio bem de família.

PROCESSO RELACIONADO: Recurso Especial nº 2082860 – RS