STJ: Prevalência da Convenção de Montreal sobre o Código de Defesa do Consumidor em casos de dano material em transporte aéreo internacional

Postado por: Francisco Ilídio Ferreira Rocha

Por: ANDRESSA PAULINO DE MELO

A decisão proferida no Recurso Especial nº 1.895.834/SP, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou o entendimento de que a Convenção de Montreal deve prevalecer sobre o Código de Defesa do Consumidor, em situações que envolvam dano material decorrente do transporte aéreo internacional. A decisão representa mais um passo na consolidação do princípio da especialidade no âmbito das relações jurídicas reguladas por tratados internacionais ratificados pelo Brasil.

O citado caso envolveu a empresa LATAM Airlines Group S/A, representada pelo escritório Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA), e teve como parte recorrida a seguradora AIG Seguros Brasil S.A.. A controvérsia teve início após o extravio de bagagens de um passageiro em voo internacional operado pela companhia aérea. O passageiro, devidamente segurado, foi indenizado pela seguradora no ano de 2013. Três anos depois, em 2016, a seguradora propôs ação regressiva contra a companhia aérea, buscando o ressarcimento do valor pago.

Em primeira e segunda instâncias, o pleito da seguradora foi acolhido com base no prazo de prescrição de cinco anos previsto no CDC, sob o argumento de que se tratava de relação de consumo. Inconformada, a LATAM recorreu ao STJ, defendendo a aplicação do prazo bienal previsto no artigo 35 da Convenção de Montreal, tratado internacional que rege a responsabilidade das transportadoras aéreas em casos de perda, avaria ou atraso de bagagem.

O relator do recurso, ministro Humberto Martins, deu razão à companhia aérea. Em seu voto, destacou que o STF já havia pacificado a questão no julgamento do Recurso Extraordinário nº 636.331, sob o regime da repercussão geral (Tema 210), reconhecendo que os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas, como as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência sobre normas do CDC, à luz do artigo 178 da Constituição Federal.

Segundo o ministro relator, o caso deve ser regulado pela Convenção de Montreal em razão do princípio da especialidade, uma vez que se trata de legislação internacional específica para o setor de transporte aéreo. O STJ reafirmou, assim, que o prazo prescricional para ações de regresso movidas por seguradoras, após pagamento de indenização decorrente de extravio de bagagem em voo internacional, é de dois anos a contar da data do pagamento ao segurado.

No caso concreto, a indenização foi paga em 27 de setembro de 2013, enquanto a ação regressiva foi ajuizada em 21 de junho de 2016, evidenciando o decurso do prazo bienal. Diante disso, o colegiado reconheceu a prescrição e deu provimento ao recurso especial da companhia aérea.

Essa decisão reforça a segurança jurídica nas relações contratuais internacionais e garante o respeito aos tratados multilaterais dos quais o Brasil é signatário. Também representa uma vitória para o setor de aviação, ao assegurar que suas obrigações sejam julgadas com base nas normas específicas que regem a atividade, especialmente em situações transnacionais.

Além disso, o julgamento traz reflexos importantes para seguradoras e operadores do direito, ao delimitar com maior precisão os marcos iniciais e os prazos de prescrição aplicáveis em ações regressivas. A adoção da Convenção de Montreal nesses casos exige atenção redobrada quanto ao tempo para ajuizamento de ações, sob pena de perda do direito de regresso.

O caso serve de alerta para todos os envolvidos na cadeia de responsabilidade do transporte aéreo internacional, desde seguradoras até advogados e empresas de logística, sobre a necessidade de observância rigorosa dos prazos e tratados internacionais aplicáveis à matéria.

 

REFERÊNCIA

COLAFEMINA, Martina. Convenção prevalece sobre o CDC em caso de dano material de empresa aérea, diz STJ. Consultor Jurídico, São Paulo, 09 jun. 2025. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-jun-09/convencao-prevalece-sobre-o-cdc-em-caso-de-dano-material-de-empresa-aerea-diz-stj/. Acesso em: 27 jun. 2025.