STJ: Princípio da insignificância aplicado a contrabando de até mil maços de cigarros.
Por: André Luciano Vicente da Silva
Relatório do caso
A Procuradoria Regional da República da 3ª Região – PRR, do Ministério Público Federal – MPF, interpôs Recurso Especial no Superior Tribunal de Justiça – STJ, fundamentado na Constituição Federal de 1988, contra o acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região – TRF, no julgamento da apelação criminal nº 0007388-15.2012.4.03.6110, que tratou da aplicação favorável do princípio da insignificância, na condenação de um indivíduo punido por estar transportando 530 maços de cigarro, de origem estrangeira, comercializados no em território nacional, fato violador dos artigos 44 ao 56 da Lei n. 9532/97, que trata das alterações na legislação tributária federal, além dos crimes de violação de direito autoral e contrabando, previstos no código penal.
No julgamento, a tese jurisprudencial predominante foi de que “O princípio da insignificância não se aplica aos crimes de contrabando de cigarros, por menor que possa ter sido o resultado da lesão patrimonial, pois a conduta atinge outros bens jurídicos, como a saúde, a segurança e a moralidade pública.”; jurisprudência esta que foi fixada pelo próprio STJ através do Recurso Especial n. 1928901/SP.
Não obstante, por decisão da maioria dos Ministros, do colegiado da Terceira Seção, ficou definido que poderá ser aplicado o princípio da insignificância quando a quantidade de cigarros não ultrapassar o montante de 1000 maços e desde que a ação não seja reiterada. Ainda, fixou-se que tal entendimento deve ser aplicado a todos os casos em andamento, porém, não àqueles que já tenham transitado em julgado.
Princípio da insignificância
Segundo o dicionário do site do STJ, “o princípio da insignificância, ou da bagatela, afasta a punição de condutas pouco graves, que não representem perigo social, tenham reduzido grau de reprovabilidade e causem lesão jurídica inexpressiva”.
Trata-se de uma maneira de abrandar a punição de condutas definidas como crime, mas que, quando analisadas individualmente, não possuem uma reprovabilidade suficiente para que recebam a punição integral prevista para aquele crime.
O princípio, geralmente, é aplicado para afastar a tipicidade de crimes como furto, contrabando, posse de drogas etc., nos casos em que o produto obtido ou possuído não atinge uma quantidade suficientemente grande para geral repulsa, tal qual o exemplo clássico, do imaginário popular, do cidadão que rouba uma unidade de pão para sustentar a família, circunstância em que o princípio da insignificância poderia ser aplicado.
Motivação da decisão
A inaplicabilidade do princípio da bagatela, nos casos de contrabando de cigarros, dava-se em razão, não somente da reprovabilidade da conduta em si, mas também por causa dos valores tutelados, no sentido da moralidade e da segurança pública, e, sobretudo da proteção à saúde da população.
Entretanto, nesse novo entendimento, se deu maior relevo ao aspecto material da ação, que é a quantidade de maços contrabandeados. Apesar de 1000 maços de cigarro serem um montante considerável de itens, sobretudo quando contrabandeados, vez que uma apreensão desse volume chama atenção, em termos de ocorrências de apreensão, é um quantitativo mínimo.
Os números trazidos pelo Ministro Joel Ilan Paciornik, entre os anos de 2019 e 2022, mostram que apesar da maioria das autuações serem entre 1 e 1000 maços, a somatória deles configura um quantitativo irrelevante em relação ao todo apreendido, representando 0,58% do volume total, que é impactado pelas apreensões entre 100.000 e 1.000.000 maços, pelo que, as apreensões de até 1.000 unidades, tem pouca representativa no todo apreendido.
Assim, por mais que a quantidade fixada pelos Ministros, num primeiro momento, possa parecer grande, para que mereça a aplicação do princípio da insignificância, de outro lado, quando se analisa a somatória de maços de cigarro apreendidas, anualmente, conclui-se que os Ministros perceberam que é uma quantidade ínfima dentro de seu próprio contexto.
Pondera-se, ainda, que além de ser uma quantidade quase que insignificante do total apreendido, estas ações penais representam a ampla maioria dos casos que são julgados diariamente nos tribunais brasileiros, fato que entulha o judiciário por conta de “apenas” 0,58% do total de cigarros apreendidos.
Com esse novo precedente, a tendência de diminuição de casos a serem julgados, e, consequentemente, o desafogamento da máquina judiciária, conduzirá a um devido tratamento daqueles que não venham a se inserir nesse hodierno entendimento, cujos casos são os que justamente impactam os valores tutelados pelo direito, no sentido da moralidade e da segurança pública, e, sobretudo da proteção à saúde da população