STJ: Reconhecimento fotográfico e os critérios do art. 226, CPP
Por: PABLO NOGUEIRA DA SILVA
Por reconhecimento fotográfico, compreende-se a determinação do autor criminal por meio da apresentação de imagens às vítimas e testemunhas, visando confirmar a autoria dos suspeitos. No caso analisado, o réu é acusado de ser coautor de um roubo de veículo com base no reconhecimento fotográfico, visto que esta é a única prova utilizada para o pedido de sua prisão preventiva. Trata-se de um pedido para indeferir a condenação e revogar tal efeito com base na insuficiência da prova apresentada, a qual não segue os parâmetros legais estabelecidos no artigo 226 do Código de Processo Penal.
Reiteradas vezes, o reconhecimento fotográfico foi suficiente para condenar um réu, sendo objeto de recurso pela defesa do indivíduo. O argumento utilizado em favor da defesa nos casos concretos era que esse artifício não era suficiente para a condenação, pois não seguia o rito do artigo 226 do Código de Processo Penal (CPP), o qual dispõe: (1) a vítima deverá fazer uma descrição que contenha as características do autor do crime (as quais se recordem); (2) o indivíduo suspeito deverá ser colocado ao lado de pessoas que possuam semelhança. O artigo também trata da intimidação do suspeito pela vítima e da formalidade exigida para que esse ato tenha efeitos no processo. Tais regras não foram incorporadas nessa atividade, e os tribunais entendiam que o artigo 226 fazia apenas recomendações para o procedimento, o que resultava na aplicação deste como prova lícita e, consequentemente, na condenação.
Alguns pontos importantes foram observados e refletidos nessa temática, à medida que o reconhecimento fotográfico causa o efeito de apuração precoce do autor, realizado pela vítima. Ao observar o suspeito demonstrado na fotografia e identificar traços de semelhança, o reconhecedor pode se deixar levar pela vontade de agir no procedimento e passar a acreditar ser aquela pessoa, influenciando a vítima ou testemunha, especialmente quando o reconhecimento é feito pessoalmente. Devemos lembrar também que, em casos de coação durante o fato, a vítima pode se ver intimidada – o que é de se esperar –, e suas condições psíquicas podem não permitir uma fixação clara das características do infrator.
Faz-se aqui uma breve citação ao estudo da Psicologia do Testemunho, tema relevante para este artigo, que remete a institutos que explicam graves problemas nos testemunhos aplicáveis ao reconhecimento fotográfico, destacando a memória episódica. Estas são memórias ligadas a situações vividas em um curto período de tempo, produzindo efeitos como a criação de falsas memórias e comprometendo a capacidade da vítima ou testemunha para o reconhecimento.
No caso matriz que fundamenta a reflexão deste artigo (STJ. TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE Nº 657 – SC (2024/0336107-2). Rel: Ministro Ribeiro Dantas. DJ 05/09/2024. STJ, 2024. Disponível em: < (Dantas, 2024) >. Acesso em: 25 de set. 2024.), cita-se o precedente (HC 652.284/SC, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 27/04/2021, DJe 03/05/2021) que firma o entendimento de que o artigo 226 deve ser cumprido de forma estrita, o que leva à procedência do pedido e à revogação da prisão preventiva.
Pesquisa recente do gabinete do Ministro Rogério Schietti Cruz aponta resistência ao precedente do STJ, analisando decisões proferidas entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2023, nas quais 377 julgamentos revogaram prisões preventivas ou procederam com a absolvição do réu com base na contestação do reconhecimento pessoal de sujeitos. Em relação ao reconhecimento fotográfico, o Ministro Schietti deixa claro que deve haver um grande esforço dos policiais, promotores e magistrados para que a fotografia seja utilizada como apontamento e atestada pela vítima de forma a criar provas relevantes (Schietti, 2024). Quando as regras supracitadas não são seguidas em observância ao artigo 226 do Código de Processo Penal (CPP), resulta no encarceramento precoce do indivíduo. Essas decisões, reiteradamente revogadas posteriormente, causam insegurança jurídica, levando à hipótese de que o uso desses meios para a busca da justiça será cada vez mais criticado, causando dificuldade na punição de culpados em contraste com o princípio do “in dubio pro reo”.
Conclui-se que o tema do reconhecimento por fotografia é um dos dilemas trazidos pela inserção dos novos meios de comunicação e informação, representando uma nova fase para o sistema judiciário com interpretações diversas que demandam e demandarão adaptação por meio do exercício jurídico.
A defesa do réu tem sustentação, sendo baseada nos fatos supracitados e em precedentes claros. Dá-se procedência ao pedido, suspendendo a condenação e revogando sua prisão preventiva por falta de provas cabíveis, pois as alegações que ligam o suspeito ao caso não são suficientes para concluir que ele tenha agido de forma a consumar o delito.
