STJ: Testemunhos indiretos não são hábeis para fundamentar sentença de pronúncia.

Postado por: Francisco Ilídio Ferreira Rocha

POR: PABLO NOGUEIRA DA SILVA

Faz-se aqui a análise do Habeas Corpus nº 964049 – RS (2024/0450411-1), no qual um paciente — nome processual adquirido pelo réu ao ter Habeas Corpus impetrado por si ou por seu representante — busca a despronúncia, termo utilizado para o não julgamento do réu em tribunal do júri, por meio de fatos que obstam o julgamento, devido ao desconhecimento de provas cabíveis à decisão de pronúncia, afastando a possibilidade de condenação indevida, garantindo segurança jurídica e resguardando o princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório, previsto no artigo 5º, inciso LX, da Constituição Federal de 1988.

O habeas corpus é um remédio constitucional que visa proteger a liberdade de locomoção do indivíduo que a tem ameaçada, dentro e até mesmo fora de um processo, devendo ser impetrado pelo indivíduo ou por seu representante para a instância superior àquela que remete ao réu a possibilidade de ser condenado à prisão privativa de liberdade. Em relação ao mérito, fazendo um esboço para entender o caso, trata-se de cena de crime de homicídio, no qual o paciente estava presente no local, não sendo apresentados, pelas testemunhas que lá estavam, quaisquer indícios de participação do paciente no crime. Até mesmo a pessoa que acompanhava o agressor afirmou não tê-lo visto envolvido no momento da agressão, restando como base da sentença que pronuncia o paciente o inquérito presidido pelo delegado, baseado em testemunhos indiretos.

Esses testemunhos indiretos (hearsay testimony) têm sido pauta utilizada na despronúncia de pacientes em habeas corpus anteriormente julgados pelos tribunais. São denominados como “ouvi dizer”, estando pacificado o entendimento de que tanto a presença no momento do fato quanto a informação recebida por alguém de que poderia ocorrer a violação devem ser levadas em consideração no momento do julgamento. Esses testemunhos são cabíveis nos processos e podem influenciar na condenação ou absolvição de um indivíduo. Porém, precedentes como o AgRg no HC 857109 / SP nos fazem entender que a informação recebida ante a possível produção do resultado deve ser analisada em conjunto com as outras provas, de forma harmônica, para evitar discrepâncias e condenação precoce.

Fato é que o habeas corpus não cabe ao caso concreto que analisamos, pois ele é utilizado apenas quando não houver recurso adequado para a situação, sendo, nesse sentido, o RESE – recurso em sentido estrito o instrumento cabível a essa decisão interlocutória. Mesmo não sendo correto impetrar HC nessas situações, o artigo 34, inciso XX, do RISTJ – Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça delega ao relator que, no caso de o HC ser inadmissível, deve-se então analisar o argumento trazido e verificar a ocorrência de flagrante ilegalidade para justificar a concessão do HC de ofício. No caso concreto, o HC não foi conhecido, mas foi concedida a ordem para despronunciar o paciente.

Através da análise do argumento desse HC, mesmo com vício formal por não ser o instrumento que deveria buscar respaldo na instância superior — o RESE —, temos resguardados os princípios da instrumentalidade do processo, o qual defende que o processo deve ser uma forma de alcançar a justiça, e não um fim em si mesmo, tendo sua principal característica no sentido de que os atos processuais podem ser flexibilizados, dando maior importância à solução do litígio do que à técnica; e o princípio da celeridade processual, que defende, junto ao princípio da razoável duração do processo, que o processo deve ocorrer em tempo razoável à demanda, buscando atender as necessidades da sociedade de forma mais eficiente e rápida.

O ministro Ribeiro Dantas, do STJ, firmou o entendimento de que o fato de “ouvir dizer” não justifica o julgamento pelo tribunal do júri. Nesse sentido, já despronunciou sete réus a serem julgados por crime de homicídio em um processo, fato que enseja reflexão dos magistrados em relação ao grau em que podem deixar essas “fofocas testemunhais” influenciar na decisão que tende a ser tomada, buscando sempre presumir que essas afirmativas sejam possibilidades e não testemunhos concretos — os quais não deixaram de ser classificados dessa maneira —, fazendo uma correlação com os fatos que são identificados na cena e testemunhos de pessoas que presenciaram o ocorrido, verificando se aquele argumento tem resquícios de especulação, a famosa ideia “fora da casinha”, e, quando o relatado estiver em discordância com informações já obtidas anteriormente, tem-se então um motivo para que o juiz o utilize com menor grau de influência.