TJRJ: Cultivo de cannabis para uso próprio

Postado por: Francisco Ilídio Ferreira Rocha

Por: ANA PAULA DE OLIVEIRA ANDRADE

O processo eletrônico nº 0013074-08.2022.8.19.0209, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), refere-se a uma denúncia apresentada pela Promotoria de Justiça junto ao IX Juizado Especial Criminal da Capital contra o acusado, com base no artigo 28 da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006). O caso, que trata do cultivo de drogas para consumo pessoal, levanta questões importantes sobre a aplicação da legislação de drogas no Brasil.

A Lei de Drogas brasileira permite diferenciar o uso pessoal do tráfico, mas apresenta áreas indefinidas que geram controvérsias. No presente processo, discute-se até que ponto o cultivo doméstico de plantas para uso próprio configura crime ou infração administrativa. Embora a legislação proíba o cultivo e posse de drogas para consumo pessoal, ela também prevê tratamento diferenciado aos usuários, incentivando medidas educativas, como advertência ou prestação de serviços à comunidade, em substituição à pena de prisão.

Nesse contexto, a defesa argumenta que o cultivo do acusado destinava-se exclusivamente ao consumo pessoal, sem fins de tráfico, e aponta a aplicação desproporcional da lei ao caso concreto. Em determinados julgamentos, defensores sustentam que a proibição do cultivo de pequenas quantidades para uso próprio interfere na privacidade e autonomia individual, sobretudo em contextos terapêuticos, como o uso medicinal da cannabis.

A defesa frequentemente fundamenta seus argumentos na quantidade cultivada, na ausência de indícios de tráfico (como balanças ou grandes quantias em dinheiro) e em laudos que atestam o consumo pessoal. Decisões recentes mostram interpretações mais flexíveis, reconhecendo as especificidades de cada caso e considerando fatores que afastem a presunção de comercialização. Em alguns tribunais estaduais e até no Supremo Tribunal Federal (STF), observa-se uma tendência de descriminalizar o porte e cultivo para uso próprio, alinhada com a flexibilização legislativa.

Um ponto relevante é o impacto social e os direitos fundamentais envolvidos. Juristas argumentam que o cultivo doméstico para consumo próprio pode reduzir a dependência do usuário em relação ao mercado ilegal, além de minimizar riscos associados ao consumo de substâncias de procedência duvidosa. Para muitos, a criminalização do cultivo reforça o ciclo de criminalidade e estigmatização dos usuários, desviando o foco dos problemas reais do tráfico de drogas.

No julgamento, a defesa sustentou que o réu cultivava a substância para consumo pessoal, sem intenção de comercializar, questionando-se assim a proporcionalidade da lei. Esse debate contribui para o desenvolvimento de jurisprudência e pode oferecer diretrizes mais claras para casos semelhantes.

O Ministro Gilmar Mendes, ao relatar o Recurso Nº 635.659 em 26 de junho de 2024, observou que a criminalização estigmatiza o usuário e prejudica políticas de prevenção e redução de danos, além de configurar punição desproporcional e ineficaz. O Ministro Luís Roberto Barroso acrescentou que a criminalização do consumo viola direitos fundamentais, como a privacidade, autonomia individual e o princípio da proporcionalidade, destacando que decisões de foro íntimo devem permanecer na esfera de autodeterminação dos indivíduos.

Em resumo, o caso questiona o equilíbrio entre o combate ao tráfico e os direitos de indivíduos que cultivam para consumo próprio, evidenciando a necessidade de clareza legislativa e uma abordagem preventiva em vez de punitiva. O acusado foi absolvido sumariamente, sem custas, nos termos do artigo 397 do Código de Processo Penal.