TJSP: É necessário que a injúria tenha vítima determinada
POR: Vagner Teixeira da Silva
O fato ocorreu em município paulista e envolveu o querelante e sua esposa que realizaram uma queixa-crime por suposta infração aos artigos 138 e 140, do Código Penal, afirmando que, no dia 13 de março de 2.022, em frente a um restaurante, foram caluniados por meio de falsas imputações de fatos definidos como crime, e ainda foram chamados de “canalhas” e “vagabundos”.
ENTENDA O CASO
Segundo a peça, o acusado foi à frente do estabelecimento e, gravando vídeo transmitido em tempo real por meio da rede social Facebook, passou a afirmar que, como soube por populares, que o querelanteentão vice-prefeito do Município – e sua esposa abriram o restaurante a fim de lavar dinheiro obtido de forma ilícita a partir de desvios de verba pública e de recebimento de vantagens indevidas.
O querelante afirmou que no vídeo foi sugerido que o negócio era voltado à lavagem de dinheiro do vice-prefeito, e que este mantendo-se oculto apesar de proprietário, registrou a empresa em nome de terceiros a fim de facilitar a prática criminosa.
Posteriormente, o querelado alegou que muitos políticos estariam abrindo novos negócios após a liberação de verbas para o Município, insinuando que assim todos agiam com a finalidade de lavar dinheiro.
Assim agindo, o querelado imputou falsamente aos querelantes os crimes de lavagem de dinheiro, peculato e corrupção passiva, com evidente intenção em caluniá-los. Não bastasse, no mesmo vídeo visualizado por 350 mil pessoas, com mais de 2.400 comentários -, o querelado afirmou que poderiam processá-lo pois ninguém o impediria de falar, chamando os querelantes de “canalhas”, para, ao final, a eles se referir como “vagabundos”, dizendo ainda serem todos “da mesma laia”, injuriando-os.
A audiência de conciliação restou frutífera, comprometendo-se o querelado a publicar vídeo de retratação e a pagar dois salários mínimos a entidades beneficentes. O acordo, todavia, acabou rescindido porque descumpridas as condições.
E, encerrada a instrução processual, houve por bem o N. Magistrado sentenciante condenar o querelado tão-somente pelo crime de calúnia, asseverando ausência de dolo específico tocante à injúria, pois “em que pese o fato do querelado ter se utilizado de expressões como “canalhas”, “mesma laia” e “vagabundos”, verificou-se que tais falas foram dirigidas de maneira genérica aos políticos, sem individualização de seus destinatários, o que não permite que se conclua pela violação da honra subjetiva dos querelantes, na medida em que não houve demonstração de ofensa específica contra eles”.
DA FUNDAMENTAÇÃO
Respeitados doutos entendimentos diversos, bem decretada a absolvição pelo crime do artigo 140, do Código Penal, também deve ser afastada a imputação por calúnia.
Sob o crivo do contraditório, o querelado negou a prática dos crimes alegando que, utilizando a Internet para divulgar denúncias recebidas de munícipes, questionou a conduta do vice-prefeito referente à propriedade do restaurante, então figura pública, sendo inclusive investigado por corrupção, estranhando o fato de colocar a empresa em nome de terceiros.
De fato, da análise do vídeo produzido, verifica-se que, após dizer que o Ministério Público deveria investigar a situação do restaurante e que o vice-prefeito poderia abrir um processo contra ele por estar apenas trabalhando, afirmou “Só Deus pode me parar, seus canalhas”, acrescentando em palavras chulas que se alguém estivesse se aproveitando de cargo público para enriquecer ilicitamente, o povo iria para as ruas.
Acertada, assim, a absolvição do querelado da imputação de injúria porque as ofensas não foram individualizadas ou dirigidas especificamente ao vice-prefeito, mas de forma genérica aos políticos, tanto que, o querelado chegou a sugerir que diversos agentes eleitos se utilizaram do cargo para abertura de novos empreendimentos na cidade, não se vislumbrando assim a intenção de ofender a honra dos querelantes especificamente.
Veja-se já ter declarado o E. Superior Tribunal de Justiça que “Expressões utilizadas de caráter genérico, sem se referir objetivamente a nenhum fato concreto, tornam impossível a adequação típica dos delitos de difamação e injúria majoradas. Atipicidade das condutas com consequente absolvição sumária” (APn n. 968/DF, relator Ministro Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 3/3/2021, DJe de 17/3/2021); e que “… em se tratando de crimes contra a honra, deve ficar clara a intenção do agente de macular a honra alheia de pessoa determinada. Sem o dolo específico e sem a individualização da vítima, não se pode falar em crimes de calúnia, difamação ou injúria” (AgRg no REsp n. 1.824.447/RS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 6/2/2020, DJe de 12/2/2020).
Da mesma forma, atípica é a conduta pelo qual se viu condenado por ofensa ao artigo 138, do Código Penal. Isso porque, apesar de ter o querelado levantado suspeitas contra os querelantes, declarou de modo deveras genérico suposta prática de lavagem de dinheiro, peculato e corrupção passiva, o que, com a devida vênia, não serve à tipificação do delito previsto no artigo 138, do estatuto repressivo, já que não afirmou qualquer concretude quanto aos fatos, sequer as circunstâncias em que teriam ocorrido.
Já decidiu o E. STJ que “O tipo penal do delito de calúnia requer a imputação falsa a outrem de fato definido como crime. Conforme precedentes, deve ser imputado fato determinado, sendo insuficiente a alegação genérica” (AgRg no REsp 1695289/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 07/02/2019, DJe 14/02/2019); e “Nos termos da jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal Federal, se não há na denúncia descrição de fato específico, marcado no tempo, que teria sido falsamente praticado pela pretensa vítima, o reconhecimento da inépcia é de rigor, porquanto o crime de calúnia não se contenta com afirmações genéricas e de cunho abstrato (RHC 77.243/RJ, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 06/12/2016)” (RHC 77.768/CE, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 18/05/2017, DJe 26/05/2017).
DA DECISÃO
O desembargador Newton Neves, relator do caso, em seu voto, decidiu que por todo o esposado acima, é inegável a atipicidade das condutas de calúnia e injúria atribuídas ao querelado, que resta absolvido com fulcro no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.
Ante o exposto, negou provimento ao recurso dos querelantes e deu provimento ao apelo do querelado para, mantida a absolvição quanto à injúria, absolvê-lo também quanto ao crime de calúnia em razão da atipicidade.