TRF-3: Suspensa a demissão de servidor público que não teve direito a recorrer administrativamente
POR: Alan Francis Moreira Rodrigues
A 1º Vara Federal de Campo Grande decidiu sobre pedido liminar de antecipação de tutela que pleiteou a nulidade de Processo Administrativo Disciplinar (PAD). O autor alegou vícios na composição da Comissão que deliberou no PAD e violação ao princípio do Segundo Grau, haja vista, não assegurado o direito recursal em instância administrativa. Dessa forma, o autor requereu a nulidade do processo que resultou em sua demissão do cargo efetivo, a sua reintegração ao cargo público e o pagamento de todos os vencimentos em atraso.
A 1º Vara Federal não decidiu sobre questões de mérito relacionadas à prova, à culpabilidade, à materialidade e à pena, pois não são requisitos revisados em tutela antecipada. Foram analisados a legalidade na formação da Comissão e a violação ao direito de recurso na seara administrativa.
Na decisão, o julgador não reconheceu o vício na formação da Comissão, que em consonância com o Art. 149 da Lei n. 8.112/90, determina sua formação por três servidores estáveis, sendo o presidente “ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado”. Foi demonstrado que o presidente da Comissão ocupava cargo de mesmo nível do autor e mesmo nível de escolaridade, superior, uma vez que os programas de mestrado, doutorado e cursos de especialização e aperfeiçoamento compõem a educação superior.
No âmbito da violação ao duplo grau na seara administrativa, a 1º Vara reconheceu que era direito do autor apresentar recurso administrativo contra decisão de demissão e a vedação a esse direito viola o exposto na Lei n. 8.112/90 e 9.784/1999. O duplo grau é um princípio do direito processual que garante, a todos os cidadãos jurisdicionados, a reanálise de seu processo, administrativo ou judicial, geralmente por uma instância superior. Sobre esse tema, esclarece que a jurisprudência do STF reconhece que o duplo grau administrativo, por não ser contemplado pela Constituição Federal, não é absoluto, e, conforme Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 167 (ADPF 167), a previsão quanto ao duplo grau de jurisdição se caracteriza em escolha política do legislador.
Dessa forma, no que diz respeito aos servidores públicos federais é preciso observar a regulação prevista em lei, nesse caso, na Lei n. 9.784/99, que regula o processo administrativo federal, e na Lei 8.112/90, nos Artigos 106 e 107 que expressa a seguinte regulamentação sobre o tema:
“Art. 106. Cabe pedido de reconsideração à autoridade que houver expedido o ato ou proferido a primeira decisão, não podendo ser renovado.
Parágrafo único. O requerimento e o pedido de reconsideração de que trata os artigos anteriores deverão ser despachados no prazo de 5 (cinco) dias e decididos dentro de 30 (trinta) dias.
Art. 107. Caberá recurso:
I – do indeferimento do pedido de reconsideração;
II – das decisões sobre os recursos sucessivamente interpostos.
- 1º O recurso será dirigido à autoridade imediatamente superior à que tiver expedido o ato ou proferido a decisão, e, sucessivamente, em escala ascendente, às demais autoridades.
- 2º – O recurso será encaminhado por intermédio da autoridade a que estiver imediatamente subordinado o requerente.
Ambas as Leis determinam que na esfera administrativa federal há de se considerar o direito ao segundo grau; dessa forma, não se pode limitar o direito ao recurso. O julgador esclarece ainda que normas regulamentadoras, como a portaria MEC 451/2010, com redação dada pela portaria MEC 2.123/2019, não pode restringir o direito legal ao duplo grau administrativo.
Há de se considerar que o precedente jurisprudencial corrobora com a garantia do duplo grau administrativo, como se observa na decisão da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), Agravo de Instrumento 5008584-84.2021.4.04.0000: “Do exposto, concluo que há probabilidade de provimento do recurso, pois o direito de recorrer expressamente previsto na legislação aplicável foi lesado.”
Evidenciada a violação ao princípio do devido processo e ao direito de recurso em instância administrativa, a Vara Federal de Campo Grande, no intuito de garantir o direito do autor ao segundo grau e suspender os efeitos da portaria que lhe aplicou a demissão, deferiu o pedido de tutela de urgência, determinando que: “a parte ré dê normal processamento ao recurso interposto pelo autor no processo administrativo, encaminhando-o ao colegiado máximo da Instituição de Ensino. Consequentemente, determino a suspensão dos efeitos da portaria que aplicou a pena de demissão ao autor, até que sobrevenha decisão do órgão administrativo (colegiado máximo da instituição de ensino) acerca dos efeitos do recurso interposto”.
PROCESSO RELACIONADO: O processo corre em segredo de justiça
