TST: Indenização por dano-morte. Reconhecido o direito de vítimas de Brumadinho.
Resumo: O referido artigo trata da decisão proferida pelo TST reconhecendo o direito à indenização por dano-morte das vítimas do rompimento da barragem do Córrego de Feijó em Brumadinho/MG, e a importância do direito de existir
Palavras-chaves: Brumadinho – indenização – dano-morte – TST
Por: Aline Báo Glória
Em julgamento realizado em junho de 2023, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), por meio de sua 3ª Turma, julgou conjuntamente três casos envolvendo o pedido de indenização por dano-morte das vítimas fatais do rompimento da barragem do Córrego do Feijó ocorrido em Brumadinho/MG em 2019.
Inicialmente, é importante destacar que a indenização por dano-morte se refere ao dano sofrido pela própria vítima no momento do evento que resultou em seu falecimento, ou seja, diz respeito ao sofrimento por ela experimentado ao perder a vida.
Da legitimidade para propositura da ação
Dois dos três casos julgados pelo TST se referiam às ações que haviam sido extintas pelo TRT da 3ª região, por entender que o espólio não possuía legitimidade para pleitear a referida indenização.
Cabe esclarecer que o espólio se refere ao conjunto de bens, direitos e obrigações que por ventura foram deixados pela pessoa falecida, sendo este conjunto representado por um inventariante, pessoa esta que se torna o representante legal de todo esse conjunto de direitos e deveres do falecido.
A decisão proferida pelo TST se deu no sentido de reconhecer a legitimidade do espólio e dos herdeiros para representarem as vítimas quanto a esse pedido de indenização, retornando os autos para julgamento na segunda instância.
Conforme apresentado pelo Ministro relator Godinho Delgado, o pleito em questão se refere à indenização de natureza patrimonial, o que garante o direito ao espólio de ajuizar a ação.
Isso se dá tendo em vista que o dano-morte não se trata do direito à vida em si, que tem uma natureza personalíssima, posto se tratar de um aspecto inerente à personalidade da pessoa e, por consequência, seria intransmissível a qualquer outra pessoa o direito de reivindicar algo sobre ela, mas sim por ser relacionado à reparação ao sofrimento experimentado pela pessoa falecida antes da morte, atingindo, portanto, diretamente a esfera patrimonial.
Ressalta-se, ainda, o disposto no art. 943, do Código Civil, que determina que “o direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança”.
Da Ação Civil Pública
O fato de maior relevância e notoriedade do julgamento em questão refere-se à confirmação da sentença prolatada que determinou o pagamento da indenização do dano-morte às vítimas em questão.
O Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Extração de Ferro e Metais Básicos de Brumadinho e Região (Metabase Brumadinho) havia proposto, em nome de 131 vítimas do acidente, uma Ação Civil Pública com o intuito de obter a indenização pelos danos causados pelo sofrimento experimentado pelas vítimas fatais até o momento de sua morte.
A tese utilizada pelo Sindicato se fundamenta na justificativa de que o dano apontado foi decorrente da exposição direta das vítimas ao sofrimento quando do rompimento da barragem, bem como devido ao resultado da perda do direito de existir.
O acidente ocorrido na barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho/MG, foi considerado um dos maiores desastres ambientais da mineração no Brasil. O rompimento da barragem resultou em uma avalanche de rejeitos de minério e lama, que atingiu a área administrativa da mineradora Vale S.A, e a comunidade da Vila Ferteco, deixando, ao todo, 272 mortos.
A Vale, responsável pelo controle da barragem, em sua defesa, negou a existência do dano-morte, e aduziu, conforme disposto no Código Civil Brasileiro, que a existência da pessoa natural se encerra com a morte, não havendo, portanto, que se falar em indenização ao de cujus por sua própria morte.
Da sentença condenatória em Primeira Instância
Diante dos fatos apresentados, foi proferida sentença pelo Juízo da 5ª Vara do Trabalho de Betim/MG, condenando a Vale S.A ao pagamento, a título de indenização por dano-morte, de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) por vítima representada pelo Sindicato Metabase Brumadinho.
A mineradora apresentou Recurso Ordinário, porém foi negado provimento ao mesmo pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região.
Da decisão do TST
Em sede de julgamento do Recurso de Revista apresentado pela Vale S.A em relação à condenação ao pagamento da indenização por dano-morte, o TST partiu de entendimento semelhante ao já apresentado pelo TRT 3 neste caso, conforme destacaremos à seguir as premissas de maior relevância para esclarecer o caso em tela.
Em contraponto ao argumento apresentado pela Vale S.A de que não havia que se falar em indenização pela própria morte, foi destacado no julgamento dos recursos a relevância da dignidade da pessoa humana e o direito de existir.
Neste ponto, o Ministro Relator ainda fundamentou sua decisão ressaltando que o direito à vida é tema consagrado em diversos diplomas normativos, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
Ainda no tocante ao direito à vida, destaca-se também a utilização da cláusula de abertura para fundamentar o direito à indenização, conforme disposto na decisão:
“No tocante ao direito à vida, acresça-se que no ordenamento jurídico brasileiro, em caso de homicídio, além das indenizações rotineiramente devidas, o artigo 948 do Código Civil contém uma cláusula de abertura, ao prever a possibilidade de fixação de outras indenizações advindas do evento morte através da expressão nele contida “sem excluir outras reparações” (…)”
Alegou também a mineradora que, inclusive, já havia acordo de pagamento de indenização em Ação Civil Pública do Ministério Público do Trabalho. Porém, conforme decisão proferida pelo relator, o Ministro José Roberto Freire Pimenta, a indenização já discutida em outra lide referia-se ao dano em ricochete sofrido pelos parentes próximos das vítimas, e que este não se confunde com o dano-morte, já que aqui a proteção jurídica se refere diretamente à existência da pessoa humana e sobre a lesão causada a esse bem.
Da confirmação do direito a indenização por dano-morte pelo TST e o quantum indenizatório
O valor arbitrado de indenização também foi objeto de discussão por ambas as partes. Tanto a Vale S.A quanto o Sindicato tiveram seus agravos de instrumento interpostos com o intuito de alterar o valor da condenação, desprovidos.
Fato é que, na fundamentação de sua decisão, o Ministro considerou que seria uma premiação ao agressor, ou seja, à mineradora, que a mesma não respondesse por ter ocasionado a morte dos trabalhadores, inclusive podendo servir de estímulo para que a inobservância das normas de segurança se perpetuasse.
No caso em tela, por exemplo, a culpabilidade ficou evidente em relação às falhas nas normas de segurança, já que a sirene de aviso aos trabalhadores para que saíssem do local em caso de urgência sequer tocou no momento do desastre, contribuindo para o alto número de vítimas.
Para a manutenção do quantum indenizatório determinado em primeira instância, a Vale S.A requereu que fosse mantido o determinado pela CLT em seu art. 223-G, porém a Turma entendeu que os limites ali fixados são facultativos e exemplificativos.
Porém, na decisão foi destacado que, diante da proporção do caso, que foi considerado o maior acidente de trabalho da história do país, não caberia a aplicação do referido artigo, valendo este apenas para casos pontuais ou individuais de falecimento de empregados.
Por fim, manteve-se configurado o direito ao dano-morte, bem como o quantum da indenização de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) para cada vítima, sendo considerado para a fixação do quantum o princípio da proporcionalidade, o tamanho do aporte financeiro da parte ré e sua culpabilidade ante a extensão do dano, de forma a tentar coibir o ofensor de repetir a conduta que gerou o dano.
PROCESSO RELACIONADOS:
RRAg 10165-84.2021.5.03.0027,
RRAg 10092-58.2021.5.03.0142 e
RR 10680-22.2021.5.03.0027