Atualização sobre a Lei n. 14.701/2023 (Marco Temporal das Terras Indígenas): decisão do STF conjunta nas ADC 87, ADI 7.582, ADI 7.583, ADI 7.586 e ADO 86

Postado por: Francisco Ilídio Ferreira Rocha

Por: Amanda Antkiewicz

 Como já visto em boletins informativos jurídicos anteriores, a denominada Lei do Marco Temporal das Terras Indígenas é uma legislação que estabelece critérios específicos para o reconhecimento e a demarcação de terras indígenas no Brasil.

Um dos aspectos mais controversos em relação à lei reside no dispositivo contido no art. 4º, § 4º, que prevê que “a cessação da posse indígena ocorrida anteriormente a 5 de outubro de 1988, independentemente da causa, inviabiliza o reconhecimento da área como tradicionalmente ocupada”, salvo em caso de renitente esbulho (efetivo conflito possessório, iniciado no passado e persistente até o marco demarcatório temporal da data de promulgação da Constituição Federal, materializado por circunstâncias de fato ou por controvérsia possessória judicializada).

Essa previsão legal tem sido alvo de intensos debates jurídicos e sociais. Os defensores do marco temporal argumentam que ele proporciona segurança jurídica e evita conflitos fundiários. Por outro lado, os opositores afirmam que essa tese desconsidera a histórica violência e expulsão sofrida pelas comunidades indígenas, dificultando a restituição de suas terras originárias e tradicionais.

A Lei do Marco Temporal das Terras Indígenas agora está em discussão no Supremo Tribunal Federal e pode ter um impacto significativo na proteção dos direitos territoriais dos povos indígenas no Brasil. Diante disso, este boletim será dedicado à última atualização do caso: uma decisão conjunta analisada pelo STF que analisou em conjunto a ADC 87, a ADI 7.582, a ADI 7.583, a ADI 7.586 e a ADO 86. Todas as ações abordam o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas em conformidade com a Constituição.

A análise iniciou-se pela ADC 87, proposta pelos Partidos Progressistas, Republicanos e Partido Liberal. Esta ação busca o reconhecimento da constitucionalidade da Lei n. 14.701/23 em sua totalidade, incluindo os artigos que haviam sido vetados pelo Presidente da República (os vetos foram posteriormente derrubados pelo Congresso Nacional).

A ADI 7.582 foi ajuizada, por sua vez, pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e pelos Partidos Socialismo e Liberdade (PSOL) e Rede Sustentabilidade. Eles requerem a declaração de inconstitucionalidade de dos seguintes dispositivos da lei em questão: art. 4º, caput, I, II, III e IV e §§ 1º, 2º, 3º, 4º e 7º; art. 6º; art. 9º, caput e §§ 1º e 2º; art. 10; art. 11, caput e parágrafo único; art. 13; art. 14; art. 15; art. 18, caput e § 1º; art. 20, caput e parágrafo único; art. 21; art. 22; art. 23, caput e §§1º e 2º; art. 24, § 3º; art. 25; art. 26, caput, § 1º e § 2º, I, II, III e IV; art. 27, caput e parágrafo único; art. 31 e a redação dada ao inciso IX do art. 2º da Lei 4.132/1963; e art. 32 e a redação dada ao inciso IX do art. 2º da Lei 6.001/1973. Em sede cautelar, os requerentes postulam a concessão de tutela de urgência para suspender a eficácia dos dispositivos impugnados.

Seguiu-se com a análise da ADI 7.583 ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores, pelo Partido Comunista do Brasil e pelo Partido Verde, e a ADI 7.586, ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista, em que se requer a declaração de inconstitucionalidade dos mesmos dispositivos que foram contestados pelos Partidos Socialismo e Liberdade (PSOL), Rede Sustentabilidade e pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), descritos no parágrafo anterior, com o acréscimo do art. 5º da lei em comento. Cautelarmente, os requerentes também pedem a concessão de tutela de urgência para suspender a eficácia dos artigos citados.

Por fim, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 86, ajuizada pelo partido Progressistas, alega a falta de regulamentação do § 6º do art. 231 da Constituição, que prevê a exceção de “relevante interesse público da União” à regra de nulidade de atos de ocupação, domínio e posse de terras indígenas, bem como de exploração de suas riquezas naturais. O partido requer, nesse sentido, que o STF reconheça a omissão e supra a falta legislativa, estabelecendo disposições que equilibrem os diversos interesses constitucionais, como o direito à propriedade, boa-fé, desenvolvimento nacional e dignidade humana.

A decisão exarada pelo Ministro e Relator Gilmar Mendes, em sede cautelar, deu-se, em síntese, com os seguintes dispositivos: a) foi deferida parcialmente a medida cautelar requerida nas ADIs 7.582, 7.583 e 7.586, suspendendo todos os processos judiciais que discutem a constitucionalidade da Lei 14.701/2023 até que o Supremo Tribunal Federal (STF) se manifeste definitivamente sobre a matéria ou haja uma decisão contrária; b) foi determinada a intimação dos autores das ações de controle concentrado, dos Chefes dos Poderes Executivo e Legislativo, além da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da República, para que, em 30 dias, apresentem propostas para uma nova abordagem do litígio constitucional, utilizando meios consensuais de solução de litígios; c) devido à identidade de causa de pedir entre as ações, determinou-se a tramitação conjunta da ADC 87, das ADIs 7.582, 7.583 e 7.586, e da ADO 86; d) foram aceitos vários pedidos de ingresso no feito na qualidade de amicus curiae, com base na representatividade adequada das entidades interessadas, como Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Instituto Socioambiental (ISA), e Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB); e e) foi determinada a intimação das duas casas do Congresso Nacional para prestarem informações no prazo de 30 dias, além da intimação para manifestação sobre o uso de meios consensuais de solução de litígios.

Como indicado no último boletim informativo jurídico sobre a temática, o debate sobre os direitos indígenas ainda está longe de se encerrar e irá requerer, conforme proposto pelo Ministro e Relator Gilmar Mendes, um diálogo para buscar meios consensuais para a resolução, ou ao menos mitigação, do litígio.