STF: A recusa de transfusão de sangue por Testemunhas de Jeová – Recurso Extraordinário (RE) n. 1.212.272 (Tema 1069)
Por: Vinicius Barretos Carneiro
O julgamento do Recurso Extraordinário (RE) n. 1.212.272, Tema 1069, refere-se ao caso de uma paciente Testemunha de Jeová que foi a um hospital para realizar um procedimento cirúrgico. Em razão de sua convicção religiosa, ela não desejava que, durante o procedimento, fosse realizada uma transfusão de sangue. No hospital, foi solicitado que a paciente assinasse um termo consentindo com a transfusão de sangue, caso houvesse necessidade durante o procedimento médico. Irresignada, a paciente buscou judicialmente a permissão para realizar o procedimento sem a necessidade de consentir com a assinatura do documento requerido. Em resposta, teve seu pedido negado pelo juiz e, posteriormente, pela turma recursal. O emblemático caso, mediante recurso extraordinário, chegou ao STF.
A Suprema Corte, deveria decidir, em síntese, se Testemunhas de Jeová, por motivo de crença, podem recusar a receber transfusão de sangue. No julgamento, a Corte entendeu que seria possível a recusa tendo em vista o amparo dado pela Constituição à liberdade religiosa, que garante que os indivíduos vivam de acordo com os ritos e dogmas de sua fé, isentos de qualquer ameaça ou discriminação em virtude de suas escolhas religiosas.
Cumpre esclarecer que, para a recusa ser válida, alguns requisitos são necessários: i) deve haver uma manifestação de paciente adulto, sem coação ou opressão; ii) o paciente deve ser capaz, com condições de raciocínio e discernimento; iii) a decisão deve ser expressa por escrito; e iv) o indivíduo deve ser advertido sobre os riscos existentes. Preenchidos esses requisitos, ainda que exista risco de morte, o médico não poderá realizar o procedimento recusado pelo indivíduo.
Por outro lado, surge a questão a respeito da imposição da não realização do procedimento de transfusão sanguínea pelos pais em relação aos filhos. Esse ponto também foi apreciado pela Corte, que decidiu que a recusa feita pelos pais em nome dos filhos, como regra geral, é inválida. No entanto, especial atenção deve ser dada ao fato de que, caso exista um procedimento eficaz e seguro alternativo à transfusão de sangue, esse pode ser adotado pelos pais para ser realizado nos filhos.
Em conclusão, o STF, por unanimidade, entendeu que a liberdade permite ao paciente recusar um tratamento de saúde que contrarie sua convicção religiosa, desde que sejam preenchidos os requisitos necessários. Firmou-se, nesse sentido, a seguinte tese: “1. É permitido ao paciente, no gozo pleno de sua capacidade civil, recusar-se a se submeter a tratamento de saúde, por motivos religiosos. A recusa a tratamento de saúde, por razões religiosas, é condicionada à decisão inequívoca, livre, informada e esclarecida do paciente, inclusive, quando veiculada por meio de diretivas antecipadas de vontade. 2. É possível a realização de procedimento médico, disponibilizado a todos pelo sistema público de saúde, com a interdição da realização de transfusão sanguínea ou outra medida excepcional, caso haja viabilidade técnico-científica de sucesso, anuência da equipe médica com a sua realização e decisão inequívoca, livre, informada e esclarecida do paciente”.